A arte dos amuletos judaicos

 

A arte dos amuletos judaicos1. PINGENTE-AMULETO, SHMIRÁ, PARA PROTEGER A MÃE E O BEBÊ, COM A FIGURA DEMONÍACA FEMININA DE LILIT. IRÃ OU IRAQUE, 1900. 2. AMULETO, LOUHÁ CONTRA LILIT, MARRAKECH, MARROCOS, 1921. 3. PINGENTE-AMULETO, SHMIRÁ, PARA PROTEGER A MÃE E O BEBÊ COM UMA IMAGEM D

A arte dos amuletos judaicos

No início deste ano, o Museu de Arte e História do Judaísmo, em Paris, inaugurou a belíssima exposição “Magia, Anjos e demônios na Tradição Judaica”. De imediato, chamou nossa atenção, pois o termo “magia” destoa quando aplicado ao mundo judaico. Fundamentado na Torá, no Talmud e em rico pensamento filosófico, o judaísmo é o arquétipo da religião racional, no entanto, é também entrelaçado de um profundo misticismo.

Desde os primórdios da história, os homens fizeram amuletos para aqueles que acreditavam em seu poder de proteção. Eles podem ser vistos tanto no Oriente quanto no Ocidente, entre povos da Antiguidade e nações modernas, chegando até nossos dias. Entre os judeus, os amuletos têm uma história que se estende ao longo de milhares de anos, sendo mencionados no Talmud.

Essencialmente funcionais, os amuletos não eram confeccionados com a intenção de serem admirados por sua beleza ou expostos em museus, como objetos de arte. No entanto, como qualquer outro artefato, sua forma e aparência, suas inscrições, seus materiais ou qualquer outro elemento da cultura que lhes são associados podem lançar luz sobre a sociedade à qual pertencem.

Como o judaísmo encara os amuletos? Eles fazem parte do lado místico do judaísmo, do que chamamos de Cabalá Prática. É bem verdade que o judaísmo, fundamentado na Torá e no Talmud, é, à primeira vista, o arquétipo de uma religião baseada na razão, metodicamente questionada, sendo que o estudo é um elemento fundamental, mas há um lado místico. O judaísmo acredita na capacidade do ser humano de agir sobre o mundo e modificá-lo através de suas ações ou palavras.

A Cabalá que, na língua hebraica, significa “recebimento” ou “o que foi recebido”, é parte integral da Torá Oral e, assim como a Torá Escrita, tem origem e natureza Divinas. Também chamada de Chochmat ha-Emet – a Sabedoria da Verdade é uma doutrina de unidade através da qual o homem pode aprender que a realidade é um todo no qual o visível e o invisível, o material e o espiritual se misturam e se unem. A Cabalá pode ser dividida em dois: a Cabalá Iyunit, Cabalá Contemplativa – e a Cabalá Maasit, Cabalá Prática.

A Cabalá Contemplativa, categoria à qual pertence a maioria dos textos cabalísticos hoje em circulação, tenta explicar o processo através do qual, mediante a Vontade do Único e Infinito D’us, o Universo foi criado e é constantemente direcionado.

A Cabalá Prática, por outro lado, envolve técnicas direcionadas especificamente a alterar os estados ou eventos naturais. Um alerta importante, a Cabalá Maasit só pode a ser empregada por Tzadikim e com o único propósito de ser utilizada em benefício do homem. A Cabalá Prática se fundamenta no misticismo desenvolvido no “Sefer Yetzirá” (Livro da Criação). Segundo essa obra, D’us criou o mundo através das letras do alfabeto e particularmente daquelas de Seu Nome Sagrado, que Ele combinou das formas as mais variadas. E, uma das técnicas utilizada na Cabalá Pratica é a inscrição nos amuletos dos Nomes Divinos.

Na literatura talmúdica o amuleto é chamado de kemi’á, termo oriundo de uma raiz que significa “vincular, amarrar”. O uso de amuletos foi intenso no período rabínico e, consequentemente, há inúmeros detalhes acerca deles nas fontes literárias. A Mishná considera oskemi’ot a partir de seu ponto de vista jurídico. Durante esse período, a ação e o pensamento judaicos eram dominados pelo Talmud e, como essa autoridade não proibia o uso de amuletos escritos, seu uso cresceu e floresceu particularmente no Oriente.

Alguns de nossos Sábios, como Rav Hai Gaon, diretor da Yeshivá de Pumbedita (circa 1000), negou os poderes dos amuletos, como, por exemplo, que um pergaminho inscrito com o Nome místico de D’us poria os ladrões a correr; que acalmaria o mar, etc. Ele admitia, contudo, que os amuletos podiam ser eficazes como meio de cura e proteção. Tudo dependia de quem escrevia e do momento da aplicação (Ashkenazi, “Ta’am Zekenim,” 56b). Outros grandes Sábios, como Rabi Moshe ben Nachman, Nachmânides, e Rabi Solomon ben Abraham não condenavam seu uso, ao passo que Maimônides se pronunciou contra os mesmos, negando que tivessem qualquer virtude ou força.

 A arte

Como vimos acima, desde seus primórdios os amuletos foram empregados para proteger o homem ou suas posses das más influências, ou para neutralizar a má sorte, doenças e danos de vários tipos que já estivessem agindo contra a pessoa. Os antropólogos acreditam que originalmente todos os ornamentos utilizados pelas pessoas, tais como colares, braceletes, anéis, foram algum tipo de amuleto.

Nem todos os amuletos eram confeccionados por algum Tzadik ou algum grande rabino com uma finalidade específica. Na grande maioria dos casos, os amuletos judaicos consistiam de um artigo com o Nome de D’us inscrito em seu interior, ou com uma passagem das Escrituras, ou algo semelhante.

Eles podiam ser feitos artesanalmente ou em série. No primeiro caso eram feitos sob encomenda para um indivíduo em particular ou para uma finalidade específica, enquanto aqueles feitos em série eram mais impessoais, sem caráter específico. A forma mais frequente era uma placa de metal com uma inscrição.

Desde os tempos mais remotos, o pergaminho foi o material mais utilizado para confecção de amuletos em uma variedade de tamanhos e formas. Ao longo dos últimos séculos, nas comunidades judaicas da Europa surgiram amuletos impressos em papel, que foram reproduzidos em um número maior de cópias, a um custo mais baixo, sendo assim acessíveis a um público maior.
Nem sempre era o amuleto, de papel ou pergaminho, que tinha ornamentos; muitas vezes estes eram feitos em seu invólucro. De metal, couro ou tecidos preciosos, eram confeccionados por hábeis artesãos, preocupados em torná-los mais atraentes. Os invólucros eram muitas vezes decorados com desenhos que determinavam o significado do amuleto.

Embora durante o século 20 os amuletos impressos se tenham tornado populares em todo o mundo judaico, nas comunidades do mundo muçulmano ainda tinham seu lugar preferencial os amuletos em prata ricamente trabalhada, ou embutidos em joias. Acessórios de adorno, esses tipos de amuletos tinham sempre o intuito de proteger aqueles que os utilizavam, começando com os mais vulneráveis, como mulheres e crianças. Vários tipos de joias – diademas, pulseiras, colares, correntes de tornozelo, cintos e até fivelas dos cintos – eram ornamentados com motivos protetores ou feitos em materiais que supostamente teriam propriedades de proteção aos que os portavam. A turquesa, uma gema de cor azul, é uma das pedras mais comuns.

Esses amuletos eram geralmente confeccionados por ourives judeus, que haviam sido autorizados pelas autoridades muçulmanas a trabalhar com ouro e prata e a vender seus produtos aos muçulmanos. Dotados de formas e motivos idênticos, refletem uma crença comum nos poderes apotropaicos (i.e., que têm poder de afastar influências maléficas ou desgraças) de algum objeto. Um exemplo é achamsá1 judaica e muçulmana, que reflete a crença nos poderes da mão estendida.

Enquanto os amuletos de metal eram menos comuns na Europa, entre os séculos 17 e 19, os judeus italianos mais abastados tinham uma predileção por estojos de amuletos em prata maciça. Denominados “Sha’dai” (El Sha’dai é um dos Nomes de D’us) e destinados a proteger as crianças pequenas, eles eram pendurados ou suspensos acima do berço de maneira que fossem visíveis.

Sob a forma de pequenas caixas, alguns dos espécimes eram feitos de uma liga de prata, outros eram folheados de ouro, cinzelados e trabalhados com a técnica do repuxado, tendo de um lado motivos gravados inspirados nas artes decorativas italianas da época e, de outro, aplicações de ouro representando símbolos judaicos – especialmente os objetos rituais do Templo. Os amuletos eram transmitidos de geração em geração, dentro da mesma família, como uma herança preciosa.

Porém, a estética de um amuleto judaico depende antes de tudo de um de seus componentes essenciais: a elegância da caligrafia da sua inscrição em hebraico. Os antigos recipientes de terracota eram escritos, por exemplo, em seu lado côncavo, em caracteres apertados, formando círculos irregulares, em espiral, enquanto que os amuletos de prata do Irã eram gravados com uma grande escrita quadrada, com letras vazadas e bem proporcionais. Os que confeccionavam os amuletos tinham também acesso a recursos como a micrografia, técnica característica da arte judaica, em que os motivos são minúsculas letras hebraicas. Outro tipo de escrita reservada aos amuletos era a escrita “angelical” ou alfabeto cabalístico, cuja origem remonta aos caracteres do final da Antiguidade.

Em toda a Diáspora judaica podem ser encontrados amuletos feitos em diferentes materiais e técnicas, onde estão inscritos um dos Nomes Divinos e fórmulas de proteção. Entre os desenhos mais frequentes nos amuletos judaicos há a Árvore das Sefirot e o Maguen David. Na árvore sefirótica eram escritos os nomes das sefirot, assim como os Nomes de D’us. A Estrela de David, de seis pontas, e a de cinco pontas, o Escudo de Salomão, apareceram na Idade Média.

Motivos populares aparecem ao lado de símbolos especificamente judaicos, uns e outros cuidadosamente escolhidos pelo seu significado no contexto místico judaico. Entre os motivos populares, há o ciclo do Zodíaco, utilizado em amuletos para colocar a vida de seus proprietários sob favoráveis auspícios e sob uma constelação favorável; e da palmeira ou ramo de palmeira, sinal da vitória e da eternidade, que está associada ao justo que herdará o Paraíso (Salmo 92:13). Na África do Norte, a figura do peixe deveria trazer fertilidade e facilitar o parto, símbolo atestado nas mais antigas tradições judaicas, por exemplo, em Gênesis: 28 e 48:16 e no Talmud Babilônico,Trat. Berachot, 20a.

Entre os símbolos mais especificamente judaicos citamos: os itens necessários para o culto no Templo e várias representações de locais sagrados – em particular, Jerusalém e o Monte do Templo, mas também santuários e túmulos como o Túmulo da matriarca Rachel, Kever Rachel.

Como na arte judaica antiga, todos os objetos rituais relacionados ao Templo, entre eles, o candelabro de sete braços, a Menorá, ocuparam um lugar central entre os amuletos, sendo algumas vezes o principal elemento decorativo. Justamente, o desenho mais conhecido hoje, é a Menorá “cabalística” ou Shiviti, feito usando os oito versículos do Salmo 67, renomado por proteger das forças negativas. O primeiro verso representa as chamas, enquanto os outros sete criam os braços.

Inúmeras comunidades judaicas reprovavam ou proibiam a arte figurativa. Em países muçulmanos os judeus abstinham-se, em geral, de representar o corpo humano. Entretanto, certas partes do corpo cujo poder de proteção era considerado particularmente eficaz eram uma exceção, como a mão humana estilizada – a Chamsá, e o olho(para proteger contra o “mau olhado”, ayn raá).

O símbolo da mão aparece bem antes do surgimento do Islã. É interessante ressaltar que as autoridades rabínicas nos países muçulmanos justificavam a utilização da Chamsá, que significa “cinco”, em árabe, associando-a à quinta letra do alfabeto hebraico (heh), que é utilizado para se referir ao Nome de D’us com uma única letra (Monogramaton), ou ainda ao posicionamento dos dedos na bênção dos Cohanim, Birkat ha-Cohanim. As Chamsot judaicas utilizadas como talismãs assumem diversas formas, no Marrocos, Tunísia, Irã, Iraque, em Bukhara e em alguns outros lugares. Algumas têm no centro a letra hebraica heh; outras, os dedos afastados como as mãos dos Cohanim durante o Birkat ha-Cohanim.

Personagens e cenas narrativas são típicos dos amuletos de vários países europeus, incluindo Itália, Alemanha e Países Baixos, onde os judeus estavam sob a influência de tradições artísticas locais. Eles incorporam episódios bíblicos colocando em cena heróis mencionados nominalmente no texto do amuleto.

Em metal, pergaminho ou papel, os amuletos italianos, por exemplo, privilegiam as cenas do Gênesis, porque elas serviam como um modelo de retidão em todas as circunstâncias da vida, assim como os patriarcas e matriarcas. Outras figuras bíblicas, entre as quais Yossef e o Profeta Eliahu, apareciam devido à sua associação com a fertilidade e os milagres, e também porque se acreditava que eram capazes de afastar o mau-olhado (Yossef) ou a figura demoníaca feminina de Lilit (o Profeta Eliahu).

Menos frequentes, as cenas figurativas não bíblicas descrevem os ritos judaicos – por exemplo, o acendimento das velas de Shabatsobre um amuleto alemão do século 18, impresso para uma menina; ou a cerimônia da circuncisão, a Brit Milá, para um menino. Na Europa Oriental, onde a representação da figura humana era proibida, os amuletos tinham algumas vezes microgravado o retrato de um Tzadik (um Justo), cuja imagem pendurada na parede tinha o poder de proteger.

Enfim, como seria de esperar quando se trata de misticismo, nos amuletos judaicos há também seres sobrenaturais benévolos ou demoníacos. Figuras antropomórficas de demônios e criaturas híbridas grosseiramente desenhadas podem ser encontradas em objetos judaicos desde o final de Antiguidade. No início do período moderno, encontramos ainda vestígios dessas figuras nos manuscritos de Cabalá Prática, em manuais para fazer amuletos, assim como em alguns amuletos.

A Exposição

A exposição “Magia, Anjos e Demônios na Tradição Judaica” realizada de 4 de março a 28 de junho deste ano, em Paris,  foi possível graças ao trabalho recente de Gideon Bohak, autor de uma importante obra, História da Magia Judaica na Antiguidade, publicada pela Universidade de Cambridge, e conselheiro científico da exposição realizada em Jerusalém pelo Museu das Terras da Bíblia, em 2010, “Anjos e Demônios. Mágica Judaica através das Eras”.

O Museu de Arte e História do Judaísmo é subvencionado pelo Ministério da Cultura e Comunicação e pela Prefeitura de Paris.

Bibliografia
Catálogo da exposição “Magie, Anges et démons dans la tradition juive”

Rabi  Miller, Moshe “Contemplative and Practical Kabbalah”.  http://www.chabad.org/kabbalah_
Rabi Kaplan, Aryeh, Meditation and Kabbalah, 1989

Fonte: http://www.morasha.com.br/arte-e-cultura/a-arte-dos-amuletos-judaicos.html – Revista Morashá- Edição 90 – Dezembro de 2015

Guerra dos Seis Dias

Quarenta e seis anos atrás, dia 5 de Junho de 1967, começou uma guerra. Uma guerra contra Israel que aconteceu em três importantes frentes de batalha: Síria no Norte, Jordânia no Leste e Egito no Sul. Esses países tinham o apoio de diversas nações Árabes e dos Soviéticos. A guerra e seus resultados ainda afetam a situação atual do Oriente Médio. Essa batalha é conhecida como a Guerra dos Seis Dias (מִלְחֶמֶת שֵׁשֶׁת הַיָּמִים,milxemet sheshet hayamim).

 

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Israel e os territórios ocupados durante a Guerra dos Seis Dias. Wikigraphists

Como o jovem Estado de Israel chegou a esta situação? Primeiramente, o cessar-fogo de 1949 foi “quente” – houveram diversos ataques terroristas e infiltrações por terroristas Palestinos da Síria, Jordânia, Faixa de Gaza e Península do Sinai em território israelense. Esses ataques foram motivados e apoiados pelos países Árabes vizinhos. Além disso, a Síria estava bombardeando aldeias no Vale de Hulah. E para piorar, os Israelenses e o Sírios planejavam alterar o fluxo das suas fontes de água – um recurso vital escasso e importante na região.
A situação interna em Israel era problemática também. Israel estava em estado de recessão econômica. A liderança forte o primeiro Primeiro Ministro de Israel, David Ben Gurion, foi substituída pelo novo Primeiro Ministro, Levi Eshkol, que era considerado hesitante e relativamente fraco. Essa situação interna baixou a motivação dos israelenses, que piorava com a atitude agressiva e superior dos países Árabes vizinhos.
Na frente sul, o Egito, o maior estado Árabe com uma população de 31 milhões, posicionou tropas na sua fronteira com Israel. Eles bloquearam o Estreito de Tiran, que significava o bloqueio de todo o tráfego para o porto de Eilat, o porto ao sul de Israel. Israel declarou diversas vezes que esse bloqueio seria considerado “casus belli” (justificação para atos de guerra). Os EUA e diversos outros países também declararam que o Estreito deveria ser mantido aberto para passagem internacional. O Egito, no entanto, proclamou que qualquer tentativa de sabotar o bloqueio do Estreito será considerada um ato de guerra. Estas posições opostas foram mantidas, e nenhuma das partes buscou uma solução pacífica.
O presidente Egípcio Gamal Abdel Nasser incitou guerra contra Israel intencionalmente, declarando que o Egito era forte o suficiente para ser vitorioso e que destruiria Israel. Suasprovocações foram apoiadas por seus aliados Árabes, Jordânia e Iraque, bem como os Soviéticos, que aumentaram o fornecimento de armas para os Estados Árabes.
Na manhã do dia 5 de Junho de 1967, a guerra começou com um ataque preventivo conduzido pela Força Aérea Israelense contra a Força Aérea Egípcia, atacando todos os aeroportos militares no Egito e na Península do Sinai, destruindo centenas de aeronaves e neutralizando a Força Aérea Egípcia.
Na frente oriental, os Jordanianos começaram bombardeando e atacando pelo ar e a Força Aérea Israelense respondeu com ataques contra a Força Aérea Jordaniana.
Na frente norte, a Síria continuava bombardeando aldeias israelenses. A Força Aérea Israelense atacou aeroportos Sírios e destruiu a maior parte de suas aeronaves.
No primeiro dia de lutas, Israel surpreendeu as nações Árabes com sua Força Aérea superior e obteve controle aéreo absoluto. No entanto, o sucesso militar não pode ser garantido apenas pelo ar. Por isso, as forças do Exército de Defesa de Israel (EDI) foram enviadas para todas as frentes. A infantaria do EDI moveu para a Península do Sinai e conquistou ela. Após batalhas complicadas aos redores de Gaza, as Forças Blindadas Israelenses, acompanhadas por suporte aéreo, forçaram a rendição dos Egípcios. Finalmente, Sharm el- Sheikh, de onde o exército Egípcio operou o bloqueio nos Estreitos de Tiran, foi conquistada pelo mar.
Antes de continuarmos com a frente oriental, é importante lembrar que antes da guerra, Jerusalém estava dividida entre Israel e Jordânia. Durante a guerra, Israel enviou reforço militar para Jerusalém e pode conectar a parte Judaica que foi definida como área Jordaniana desde 1949. Após 36 horas de combate, Israel conseguiu tomar controle sobre as estradas que davam acesso à Cidade Velha e Jerusalém Oriental. A conquista da Cidade Velha foi completada no dia 7 de Junho, quando forças do EDI chegaram até o Muro das Lamentações e hastearam a bandeira de Israel lá pela primeira vez na história do estado moderno.
Ao final do terceiro dia de batalhas, Israel tinha completado a conquista da Península do Sinai, até o Canal de Suez e a maioria da Cisjordânia. Naquele momento, após diversos dias de negociação, o Conselho de Segurança da ONU pediu por um cessar-fogo (הַפְסָקַתאֵשׁ, hafsakat esh), em que Israel foi o primeiro a concordar. Depois da recusa Síria porcessar-fogo, o Exército de Israel concentrou forças para aniquilar com postos Sírios em caminho das Colinas do Golan. Uma larga faixa das Colinas do Golan foi conquistada após 20 horas de batalhas intensas. Um cessar-fogo em fronteiras Sírias foi estabelecido no dia10 de Junho.
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Tanques israelenses avançando pelas Colinas do Golan, 10 de Junho, 1967
A guerra terminou com uma vitória Israelense clara. Mais de 4.000 aeronaves Árabes foram destruídas, 60 interceptadas durante voo. Mais de 500 tanques foram destruídos. Por volta de 70% de todas as máquinas pesadas usadas pelo Egito, Síria e Jordânia foram inutilizadas. Mais de 15.000 Egípcios foram mortos durante a guerra e 5.600 foram levados como prisioneiros. De acordo com o Rei Hussei, A Jordânia teve 6.000 mortos. A Síria teve 1.000 mortos e Israel teve mais de 700 mortos e 2.500 feridos.
O tamanho de Israel foi triplicado depois da guerra, além de ganharem soberania sob uma população Árabe de quase um milhão de cidadãos (além dos 300.000 Árabes Israelenses que já viviam em Israel naquele momento). O público estava muito animado e sentiu uma sensação de força como resultado da vitória rápida contra inimigos múltiplos e a captura da Cidade Velha. Um contraste muito grande com a ansiedade e confusão intensa que havia em Israel durante semanas antes do início da guerra.
A Guerra dos Seis Dias teve muitas implicações de largo prazo para a região. A curto prazo, subiu a moral dos israelenses, dando para o mundo uma nova perspectiva sobre o jovem Estado de Israel. No largo prazo, alguns dizem que é a raiz de diversas guerras posteriores, mas foi também a raiz dos acordos de paz com Egito e Jordânia.
Oremos juntos pela paz,
שירה כהן-רגב

Palavras em Hebraico

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מִלְחָמָה

Transliteração: milxama

Tradução: guerra, batalha

 

 

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חֵיל אֲוִיר

Transliteração: xeyl avir

Tradução: força aérea

 

 

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נִצָּחוֹן

Transliteração: nitsaxon

Tradução: vitória, triunfo

 

 

Música em Hebraico

Nos anos antes da Guerra dos Seis Dias, as aldeias do norte sofriam com bombardeamentos da Síria. Um Kibutz que sofreu em particular foi o Kibutz Gadot. Yovav Katz do Kibutz Na’an foi enviado com sua esposa para ajudar o Kibutz que perdeu alguns de seus integrantes com as bombas Sírias. Ele ficou em um apartamento pequeno, que depois percebeu que era de um dos membros do Kibutz que foi morto durante os ataques.
Durante a Guerra dos Seis Dias, Katz lutou no Sinai e quando escutou que as Colinas do Golan e o Monte Hermon foram conquistados por Israel, ele escreveu a canção seguinte. O poema conta a história de uma garota de Gadot que está apavorada pelo monte monstruoso que atacou eles, o monte que deixou a família dela sem casa. Depois da guerra, a garota olha para o mesmo monte e sua mãe diz que ela não precisa mais ter medo, agora há uma bandeira azul e branca e não há mais tanques e canhões inimigos no monte.

Minha filha, você está chorando ou rindo  –  בִּתִּי, אַתְּ בּוֹכָה אוֹ צוֹחֶקֶת              

Letras: Yovav Katz – מילים: יובב כץ

Música: David Kriebusheh – לחן: דוד קריבושה
A última bomba explodiu e silenciou
O vale foi envolvido por quietude
Uma garota em Gadot foi buscar um abrigo,
E não há mais casas na fazenda.
Mamãe, tinhamos uma estufa
Com papai e bonecas e ameixas.
A estufa não existe mais, e papai está longe,
Mamãe, você está chorando ou rindo.
Olhe, minha filha, no monte,
O monte monstruoso,
Ainda há canhões, minha garota, no monte,
Mas eles ameaçam Damasco.
O Rio Jordão flui, se dobra como um bêbado,
Florescimento beija o vale.
E ninguém faz a água mudar seu luxo,
Minha filha, você está chorando ou rindo.
Pagaz axaron hitpotsets
veshatak,
Atfa hadmama et ha’emek.
Yalda beGadot yats’amimiklat,
Ve’eyn batim od bameshek.
Eama, haya lanu bayit yarok
Im aba uvuba veshesek.
Habayit eynenu, ve’aba
raxok,
Eamy at boxa ot tsoxeket.
Habiti lemala, biti, el hahar,
Hahar shehaya kemifletset.
Od yesh totaxim, yaldati,
alhahar,
Ax hem me’aymim al
Damesek.
Zorem haYarden, mitpatel
keshikor,
Prixa et ha’emek nosheket.
Ve’ish lo yasev et meymav
le’axor,
Biti, at boxa ot tsoxeket.

A oração da Amidá, Shemonê Esrê

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O Talmud se refere ao Shemonê Esrê simplesmente como Tefilá – oração – por ser o ponto alto de todas as orações. Trata-se do veículo através do qual formulamos nossas necessidades individuais e coletivas e oramos a D’us para que as realize.

 

Composta no início do período do Segundo Templo pelosAnshei Knesset HaGuedolá, os Membros da Grande Assembleia, esta oração foiorganizada em sua forma atual sob a orientação do Raban Gamliel II. Cento e vinte Sábios, entre os quais mais de oitenta profetas, participaram de sua composição. Cada uma de suas palavras, tendo sido escritas por sábios e místicos, é, portanto, carregada de profundo significado e grande poder espiritual. Sua mera recitação, mesmo se a pessoa não entenda seu significado, deixa uma marca nos mundos espirituais e evoca bênçãos Divinas para quem as profere, para o Povo Judeu e para o mundo, como um todo.

Durante os dias da semana judaica, o Shemonê Esrê é recitado trêsvezes ao dia: durante Shacharit (a prece matinal), Minchá(a prece vespertina) e Maariv (a prece noturna). O costume de se orar três vezes ao dia foi instituído por nossos patriarcas. Avraham instituiu o Shacharit, Itzhak criou a oração de Mincháe Yaacov a de Maariv. As três orações de Shemonê Esrêtambém são ditasem lugar das oferendas diárias no Templo Sagrado (Talmud, Berachot 26b).

No Shabat, em um Yom Tov (dia sagrado) e em Rosh Chodesh(o início de um novo mês do calendário hebraico), recitamos uma quarta oração de Shemonê Esrê, chamada de Mussaf. EmYom Kipur, dia mais sagrado do calendário judaico, recitamos um quinto Shemonê Esrêh – a Neilá.

É importante observar que o conteúdo das orações de MussafNeilá, bem como do Shemonê Esrê recitado no Shabat e nosYamim Tovim, é muito diferente do que o que se recita durante os dias de semana. Por exemplo, os recitados no Shabat não incluem pedidos individuais, pois o Shabat é um dia em que devemos recolher-nos de nossas preocupações materiais. Portanto, a oração menciona a santidade do dia e a recompensa que recai sobre aqueles que o guardam e se rejubilam nele.

Este ensaio é um estudo introdutório do Shemonê Esrê recitado durante os seis dias da semana judaica, portanto, o conteúdo dos demais fica além do escopo deste artigo. Nosso propósito não é traduzir a oração nem discutir as leis que dizem respeito à sua recitação, mas sim elucidar o significado geral de suas bênçãos.

Dezoito Berachot

Em hebraico, Shemonê Esrê significa, literalmente,“dezoito”. A oração original consistia de dezoito bênçãos, mas adicionou-se, posteriormente, uma décima-nona. Contudo, seu nome não foi mudado. O Zohar, obra fundamental da Cabalá, chama a oração de Amidá – a prece “em posição vertical”, por ser recitada de pé. Os dois nomes são igualmente usados.

Shemonê Esrê é composto de três partes. Na primeira, formada por três bênçãos, o suplicante presta tributo a D’us, como um servo que louva seu mestre antes de lhe fazer um pedido. A parte intermediária, que consiste de treze bênçãos, contém os pedidos do suplicante. A parte final traz as três últimas bênçãos da oração e é uma expressão de gratidão e confiança na benevolência Divina.

Os rogos feitos na seção intermediária do Shemonê Esrê não devem ser interpretados como uma lista de pedidos egoístas. Antes de recitar cada uma das bênçãos, reconhecemos o domínio Divino sobre toda a Criação – afirmamos nossa total dependência Dele – e quando Lhe fazemos pedidos, não pedimos só para nós, mas também para os demais. Ao nos submetermos perante o Todo Poderoso e recitarmos a oração com o estado de espírito adequado, tornamo-nos o canal da plenitude e bondade Divina neste mundo: servimos como condutores para as bênçãos Superiores a serem transmitidas dos mundos espirituais para o mundo material em que vivemos.

Há um grande valor em simplesmente recitar as palavras daAmidá, mesmo para quem não as entende. Mas qualquer oração é mais eficaz se a pessoa sabe o que diz. Nosso propósito ao elucidar as berachot do Shemonê Esrê é torná-lo mais significativo mesmo para aqueles que conhecem o significado literal de suas palavras, mas não a profundidade desse significado.

Avot – Patriarcas

A primeira bênção do Shemonê Esrê é a mais importante pelo fato de encapsular a essência do judaísmo. Abrimos essa oração afirmando que o Eterno é nosso D’us e D’us de nossos pais, e que somos filhos dos homens que ensinaram ao mundo sobre D’us e sobre Sua Unicidade: os Patriarcas – Avraham, Itzhak e Yaacov. Esta primeira berachá relembra a grandeza desses três patriarcas do judaísmo, em cujo mérito D’us prometeu ajudar o Povo Judeu através de toda a história.

Nesta primeira bênção, proclamamos que D’us é El Elyon – o Altíssimo – significando que D’us é tão exaltado que está muito além da compreensão até mesmo dos seres celestiais mais elevados e sagrados. Afirmamos, também, que D’us é bondoso e generoso – que Ele concede sua bondade – e que, como Senhor de tudo e Mestre da Criação, tudo o que existe foi criado por Ele, a Ele pertence e é completamente dependente Dele.

Guevurot – O Poder Divino

A segunda bênção da Amidá é uma afirmação do poder de D’us. Não afirmamos, apenas, que Ele é a fonte de toda a Vida, mas que toda a existência depende continuamente Dele. D’us não nos deu simplesmente a vida, como o fizeram nossos pais, mas Ele a preserva e, mesmo, a restaura.

O conceito de que D’us faz renascerem os mortos é encontrado três vezes nesta parte e alude a três tipos de ressuscitações. O primeiro ocorre diariamente, ao nos levantarmos após o sono letárgico, que se assemelha à morte. Como ensina a Cabalá, grande parte de nossa alma nos deixa quando adormecemos; e se D’us não a devolvesse a nós, jamais voltaríamos a despertar. A segunda ressuscitação ocorre com frequência, ainda que não diariamente: é a chuva que tem a qualidade essencial à vida de fazer crescer a vegetação. Se D’us retivesse a chuva, a vida na Terra não se manteria. E, por último, a bênção alude à ressuscitação dos mortos que ocorrerá na Era Messiânica. Essa bênção nos ensina que o poder Divino é ilimitado a tal ponto que mesmo um fenômeno que pareça inevitável – como a morte – será, um dia, anulado, e os mortos voltarão à vida.

Kedushat Hashem – a Santidade do Nome de D’us

Nesta terceira bênção da Amidá – a última da primeira parte – afirmamos a Santidade de D’us e a Santidade de Seu Nome.

Antes de suplicarmos a D’us por nossas necessidades, é imperativo entender que estamos apelando a um Ser que não é apenas o Criador de Tudo, mas que está acima de Sua Criação. Nada e ninguém a Ele se comparam. Reverenciá-lo e honrar Seu Nome são dois mandamentos capitais no judaísmo. O pecado de Chilul Hashem – da violação do Nome de D’us – por agir de maneira que desrespeite D’us e Seus mandamentos – é o pior dos pecados. Por outro lado, Kidush Hashem – a santificação ao Nome de D’us e atos que engrandecem a Torá e o Povo Judeu – é o maior de todos os mandamentos.

Antes de nos chegarmos a D’us e rogarmos que nos abençoe e atenda nossos pedidos, precisamos recordar a Quem nos dirigimos, devendo falar e agir com palavras de louvor e elevação.

Biná – Discernimento

Esta bênção inicia a seção intermediária do Shemonê Esrê, na qual fazemos nossos pedidos a D’us. A primeira súplica é por sabedoria e conhecimento, pois, ensina o Talmud que aquele que detém o conhecimento tudo possui, e aquele que não o possui está despido de tudo.
Aquele que não tem sabedoria ou conhecimento pode até ser uma pessoa bem intencionada, mas não tem o poder de discernir o bem do mal, o certo do errado. Uma pessoa justa necessita, portanto, de sabedoria, do poder do discernimento e de conhecimentos. É por isso que o estudo da Torá é considerado um dos mandamentos mais importantes do judaísmo.

Esta bênção menciona Chochmá (sabedoria), Biná (compreensão) e Daat(conhecimento), que são as três Sefirot intelectuais através das quais D’us dirige o mundo. Essas Sefirot estão contidas na alma dos seres humanos.Chochmá é sua capacidade criativa; Biná é seu poder de análise e Daat é o conhecimento que ele conquista, bem como a aplicação prática de sua sabedoria e compreensão.

Nesta bênção, reconhecemos que nossas capacidades intelectuais são uma dádiva Divina e pedimos a Ele que nos abençoe continuamente para que possamos aumentar essa sabedoria e esse discernimento e ter a capacidade de assimilar a Torá – que é a transmissão da Divina Sabedoria e Vontade – para que possamos viver de acordo com a Sua Vontade.

Teshuvá – Arrependimento

Talmud Yerushalmi ensina que a bênção de Daat precede a de Teshuváporque a compreensão é um pré-requisito para o arrependimento. A pessoa somente se arrependerá quando entender a gravidade de seus erros e contra Quem pecou. O arrependimento é um mandamento essencial no judaísmo – é o retorno ao nosso Criador. No entanto, a pessoa não pode fazê-lo a menos que tenha o discernimento de distinguir entre o que é bom e o que é mau. Portanto, após orar para ter essa compreensão, podemos pedir a D’us que nos ajude a alcançar o arrependimento.

É interessante notar que é apenas nesta prece e na seguinte – em que pedimos pelo perdão – que nos referimos a D’us como nosso Pai. Um pai tem a responsabilidade de ensinar a seu filho a maneira digna de se viver, e seu amor e compaixão paterna sempre se farão valer quando o filho se arrepender dos erros cometidos.

Selichá – Perdão

Após ter orado a D’us para nos ajudar a nos arrependermos, pedimos que Ele nos perdoe por esses erros. Como ensina o Talmud Yerushalmi, já tendo D’us aceitado nosso arrependimento, podemos pedir o Seu perdão.

Mas esse perdão não faz sentido se a pessoa continua a cometer erros. Portanto, a admissão de que os comete e o desejo de melhorar são pré-requisitos para a absolvição Divina. 
É importante observar que nesta bênção rogamos pelo perdão Divino por pecados cometidos contra D’us. Como ensina o Talmud, se cometermos pecados contra outro ser humano, precisamos buscar o seu perdão, pois somente o ofendido – e não D’us – pode nos perdoar. Mesmo Yom Kipur não tem o poder de expiar pelos pecados que cometemos contra nossos semelhantes.

Gueulá – Redenção

Esta bênção de Redenção não se refere à redenção do exílio, mas é uma oração de libertação dos problemas e aflições que nos podem atribular em nosso cotidiano.

Após suplicarmos pelo perdão, podemos pedir que D’us nos redima das atribulações que podem afligir-nos em decorrência de nossos erros. Às vezes, a pessoa pode sofrer devido às más ações cometidas, ainda que nem sempre. E quando somos perdoados por nossos pecados, poderemos pedir para que o Todo Poderoso nos livre de nossos problemas e aflições.

Refuá – Saúde e cura

Oramos por saúde e cura, pois, como sabemos, nenhum médico, tratamento ou medicamento pode assegurar a cura. Ainda que D’us tenha criado as leis da natureza e que tenhamos que viver em consonância com as mesmas, sem depender de milagres, em última instância, é D’us quem decidirá quem será e quem não será curado. A oração não é um substituto para o tratamento médico, mas é fundamental para a cura e o bem-estar.

Esta bênção é recitada não apenas pelos que estão enfermos e necessitam ser curados, mas também como uma súplica para que sejamos abençoados com uma saúde plena.

A bênção de Refuá não se refere apenas à saúde do corpo, mas à da mente e da alma. Muitos têm corpos sadios, mas sofrem psicológica, emocional e espiritualmente. Esta oração, portanto, abrange todas as curas.

No Talmud Yerushalmi, nossos Sábios explicam por que a benção de Refuásegue a de Gueulá: de que adianta ter boa saúde se a pessoa é perseguida por seus inimigos, que destroem sua paz de espírito e a afligem? A Gueuláé, portanto, um pré-requisito para uma Refuá plena.

Bircat Hashanim – anos de prosperidade

Esta é uma bênção para que nossas atividades comerciais sejam abençoadas e para que desfrutemos de prosperidade. Aqueles que trabalham na agricultura e na área comercial sabem que a competência e o afinco não garantem o sucesso. Todo empenho exige “um algo mais” para se chegar ao sucesso. Alguns o chamam de sorte; nós o chamamos de bênção Divina. Pedimos que D’us abençoe nossas empreitadas para que possamos ter sucesso e prosperidade e para que possamos desfrutar os frutos de nosso labor. É interessante observar que a bênção da saúde precede a da riqueza. Isto porque a pessoa não pode desfrutar da riqueza pessoal se sofre de algum mal físico, psicológico, emocional ou espiritual. Somente pessoas saudáveis podem desfrutar suas posses plenamente.

Ao pedir a D’us que abençoe nossas empreitadas, subjugamo-nos e admitimos ser destituídos de poder sem Sua ajuda. Mas se pedirmos Sua bênção, devemos trabalhar de acordo com Sua Vontade. E quando somos abençoados com riqueza, não devemos perder nossa humildade nem nossa dependência Dele: devemos sempre recordar quem é a verdadeira Fonte de nossa riqueza, e devemos usar essa generosidade Divina segundo a Sua Vontade – ou seja, para bons propósitos, realizando atos de bondade, generosidade, e disseminando a santidade no mundo.

Kibutz Galuiot – Reunião dos Exílios

Esta é a primeira bênção do Shemonê Esrê que se refere ao Povo Judeu não individualmente, mas como Nação. Nela, pedimos a D’us que reúna todos os judeus que estão exilados pelo mundo afora e os traga de volta ao seu Lar –Eretz Israel. A reunião dos exílios é o início da Redenção Messiânica, um processo que será um benefício não apenas para o nosso povo, mas para toda a humanidade.

Há três diferenças básicas entre este pedido de Redenção e o anterior (a bênção de Gueulá). Primeiro, a bênção anterior se refere à ajuda Divina em todo tipo de problema e sofrimento, enquanto que esta se refere à Redenção futura do Povo Judeu de seu exílio. Segundo, a primeira bênção trata da salvação física, enquanto que esta é uma súplica pela libertação espiritual de nosso povo. Terceiro, esta não é apenas uma súplica para nos libertar da opressão, mas um pedido para que D’us traga a Era Messiânica, que se iniciará com a reunião de todos os exílios judeus em Eretz Israel.

Din – Restauração dos Juízes

A restauração dos juízes é o segundo passo – após a reunião dos exílios na Terra de Israel – a caminho da realização da Era Messiânica. Há uma opinião entre vários de nossos Sábios, entre eles Maimônides (o Rambam), de que antes da chegada do Mashiach, o Sanhedrin – a Corte Suprema Judaica – será restabelecida. Há uma tradição que diz que caberá a Eliahu HaNavi, que anunciará a chegada do Mashiach, recompor esta mais alta corte judaica.

Um segundo tema desta bênção é o desejo de que D’us ajude todos os juízes judeus a julgar com sapiência e justiça.

Bircat Haminim – Contra a heresia

Esta bênção não era parte das dezoito originais que compunham o ShemonêEsrê. Foi incorporada durante o mandato de Raban Gamliel II como Nasi(líder espiritual) de Israel algum tempo depois da destruição do Segundo Templo de Jerusalém.

Foi composta em resposta às ameaças de seitas judias heréticas que tentavam afastar os judeus da Torá. Tais seitas constituíam uma ameaça ao judaísmo autêntico e usavam seu poder político para oprimir os judeus seguidores da Lei e difamá-los perante o governo romano antissemita, que desejava varrer o judaísmo da face da Terra. O propósito desta bênção era pedir a ajuda Divina na luta contra esses heréticos difamadores, bem como alertar o Povo Judeu contra esse perigo, espiritual e físico, representado pelos inimigos do judaísmo.

Apesar do desaparecimento em Israel dessas seitas contra quem a bênção era dirigida, a mesma continua relevante, pois, através da História, temos visto muitos povos e nações travarem guerras físicas e espirituais contra o Povo Judeu, esperando que nós fôssemos abandonar a Torá e, consequentemente, nos assimilar.

Tzadikim – Os Justos

Os verdadeiramente justos e devotos, os anciãos e os eruditos, são os líderes da nação judaica. Através da História, os judeus tiveram líderes políticos e comunitários, mas em momentos decisivos de nossa vida, como indivíduos e como nação, voltamo-nos aos Tzadikim – homens dotados de poderes espirituais, que podem ver o futuro e guiar-nos no caminho do Bem. Como nosso povo precisa desses homens, os Sábios instituíram uma oração especial por seu bem-estar.

Um Tzadik diferencia-se por seu relacionamento especial e íntimo com D’us. Nesta bênção, pedimos que o Todo Poderoso nos abençoe pelo mérito dos justos e proclamamos nossa confiança em Sua bondade.

Nossos Profetas e Sábios ensinaram que D’us honra a confiança daqueles que verdadeiramente confiam Nele. Ao proclamar que confiamos apenas em D’us, atraímos Suas bênçãos e Sua proteção.

Binyan Yerushalaim – A Construção de Jerusalém

O exílio do Povo Judeu e todo o seu sofrimento posterior são sinônimos da destruição de Jerusalém e da queda do Templo Sagrado. Todos os judeus podem retornar à Terra de Israel, nossos Juízes podem ser restaurados, mas o exílio não será concluído enquanto Jerusalém não tiver sua glória restaurada, com a construção do Terceiro Templo Sagrado.
Portanto, após ter pedido pelas bênçãos Divinas, materiais e espirituais, individuais e coletivas, rogamos por Sua bênção pela Cidade Santa. De fato, nenhuma bênção é completa até que o Trono da Santidade, Jerusalém, seja reconstruída em toda a sua grandeza.

Malchut Beit David – o Reino de David

O profeta Zecharia (6:12) ensina que um dos nomes do Mashiach seráTzemach, que significa literalmente o brotar ou florescer de uma planta. Isso significa que a Redenção é um processo lento, como o crescimento de uma planta, e mal percebido. Com efeito, o Talmud Yerushalmi ensina que a alma do Mashiach nasceu no dia em que o Segundo Templo foi destruído – há mais de 2.000 anos – e que está guardada no Jardim de Éden, até o dia em que será enviada a nosso mundo para trazer a era da Paz Universal.

Mashiach deve ser descendente do Rei David. Nesta bênção, afirmamos que a salvação final do Povo Judeu não depende apenas da reunião dos exílios e da reconstrução de Jerusalém, mas também da vinda do Mashiach.

Kabalat Tefilá – A aceitação da oração

Esta bênção conclui a parte intermediária do Shemonê Esrê, na qual pedimos que D’us nos conceda nossas necessidades.

O propósito desta oração vai além de o homem se dirigir ao Criador, mas visa que suas palavras causem uma mudança no mundo. Assim sendo, concluímos esta parte pedindo ao Senhor do Universo que atenda nossas súplicas: que seja piedoso e aceite com compaixão e graça os nossos pedidos.

Alguns desses pedidos podem ser atendidos de imediato. Mas outros, especialmente os que concernem o fim do exílio e a chegada da Era Messiânica, incluindo a ressuscitação dos mortos, podem levar séculos ou até milênios para serem atendidos. Esta demora na resposta Divina não significa que nossas preces estejam sendo ignoradas. Significa que é necessário que milhões de pessoas recitem suas preces através dos séculos para que milagres desta magnitude possam ocorrer. Cada vez que um judeu reza o Shemonê Esrê, está contribuindo para esse objetivo: está acelerando o processo que resultará na criação de um novo mundo – livre da morte e de todas as formas de sofrimento e discórdia.
 
Avodá – o Serviço do Templo

Esta bênção inicia a parte final do Shemonê Esrê. Como um servo é grato pelo privilégio de ter a oportunidade de se expressar perante seu mestre, nós agradecemos ao Infinito por estar atento às nossas preces.

Ao concluirmos as orações, que são nosso substituto para o serviço no Templo, rogamos a D’us para que o Beit HaMikdash seja reconstruído e que o verdadeiro serviço seja restaurado em toda a sua glória.

Pedimos que Ele aceite com amor e graça as orações e as “labaredas das oferendas” de Israel. Como o Templo não existe, esta expressão é usada metaforicamente. Refere-se às almas e feitos dos Justos e às orações do Povo Judeu, que são tão agradáveis a D’us quanto as oferendas sacrificiais. Alude, também, ao fogo do altar e às futuras oferendas da Era Messiânica.

Hoda’á – Agradecimento

Esta bênção não é uma súplica, mas uma ação de graças. Reconhecemos que cada sopro de vida e pulsar do coração é resultado direto da Misericórdia Divina. Proclamamos confiar nossa vida a D’us e que sempre que adormecemos, a Ele entregamos nossa alma, que deixa nosso corpo e que será devolvida a nós quando acordarmos.

Nesta bênção, reconhecemos a constante Providência Divina e que tudo o que existe, inclusive os eventos que parecem ser mundanos, são, de fato, produto do envolvimento Divino e intervenção em Sua Criação. Agradecemos a D’us por Suas maravilhas – as coisas familiares que não vemos como milagres porque a elas nos acostumamos, tais como a respiração, a chuva e o sol – e por Seus milagres, que ocorrem quando as leis da natureza são claramente quebradas, fazendo-nos lembrar que Ele, que criou o mundo e instituiu suas leis, pode quebrá-las quando e da forma que Ele julgar por bem.

Shalom – Paz

A bênção final do Shemonê Esrê contém alusões à Bênção Sacerdotal (Bircat Cohanim), e as seis formas de santidade nela contidas – paz, bondade, bênção, graça, gentileza e compaixão – aludem às seis bênçãos da Bircat Cohanim.

Nossos Sábios ensinam que não há bênção maior do que a Paz. De fato, a palavra Shalom é derivada de Shalem – completo, em hebraico – para ensinar que o homem que tem paz, tem tudo; enquanto que quem não a tem, nada tem.

Orações finais

Concluímos o Shemonê Esrê com um breve pedido de que as palavras de nossa boca e a meditação de nosso coração encontre favor diante de D’us. As obras da Cabalá atribuem grande santidade a esse verso e enfatizam que o mesmo deve ser recitado lenta e fervorosamente. Ele deve ser recitado antes e depois das rezas finais (Elokei Netsor), que são súplicas recitadas na conclusão do Shemonê Esrê. Entre essas há um pedido para que D’us nos proteja de situações que nos tentem a falar mal de alguém. Pedimos também que sejamos capazes de cultivar o atributo da humildade e que possamos ignorar os insultos, e oramos para que D’us abra nosso coração à Sua Torá, para que possamos estudá-la com propriedade e cumprir seus mandamentos.

É apropriado concluir o Shemonê Esrê, que serve como substituto para o serviço do Templo, com a súplica de que D’us reconstrua o Templo Sagrado para que possamos voltar a realizar o serviço Divino, que ocorria diariamente no Beit HaMikdash. Pedimos também que D’us nos dê nossa porção em Sua Torá, isto é, que Ele permita que cada um de nós descubra que assuntos da Torá estão mais ligados à nossa alma, para que possamos estudá-la com afinco, profundidade e entusiasmo.

Bibliografia: 
Siddur for Weekdays with an Interlinear Translation – The Schottenstein Editon – Artscroll Mesorah
Talmud Yerushalmi, Berachot

 

Fonte: http://www.morasha.com.br/ – Edição 76 – junho de 2012

 

Grande rabino da França renuncia após escândalo de plágios

Revista Shalom

 

Gilles Bernheim sdepois de uma reunião no Palácio do Eliseu, em Paris, nesta foto de arquivo 16 de dezembro de 2011. (Foto: REUTERS/Charles Platiau/Arquivo)

O grande rabino da França, Gilles Bernheim, que admitiu ter feito diversos plágios e usurpado um título em filosofia, anunciou nesta quinta-feira sua renuncia, após um escândalo que fragiliza o Consistório, a instituição oficial judaica na França.

Gilles Bernheim anunciou sua licença imediata durante uma reunião excepcional do conselho do Consistório, indicou o vice-presidente do Consistório de Paris, Elie Korchia.

O grande rabino, que admitiu ter plagiado vários autores e mentido sobre uma agregação como professor universitário de filosofia, havia anunciado na terça-feira (9) que não renunciaria. Mas acabou por ceder após a convocação do conselho do Consistório central, formado por 30 membros.

“Ele admitiu seus erros, pediu perdão e deu explicações. Ele aceitou o afastamento de suas funções como grande rabino”, declarou à AFP Sammy Ghoslan, vice-presidente do Consistório, no final da reunião.

“Esta é uma solução que traz mais serenidade. Estávamos todos de acordo”, disse, acrescentando que todas…

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Dia da Lembrança ao Holocauto e ao Heroísmo

Shalom amigos,
 
Este boletim é sobre sobrevivência, a sobrevivência do povo Judeu durante o Holocausto. Este boletim é sobre um sobrevivente próximo a mim que faleceu no verão passado. Este boletim é sobre uma criança, não um herói, não uma vítima, uma criança que queria viver e manter o seu irmão vivo em situações impossíveis. Este boletim é sobre o meu pai.
 
Anos em Paris
 
Meu pai nasceu (1932) e foi criado em Paris por imigrantes Judeu-Polacos. Eles escolheram um nome Francês para ele, Henri, na tentativa de se assimilar a sua nova nação. Durante a Segunda Guerra Mundial, seu pai alistou-se ao exército francês e após a conquista da “Linha Maginot” pelos alemães, ele foi levado como prisioneiro de guerra. Sua mãe morreu de uma doença quando o meu pai tinha apenas 9 anos (1941). 
 
Escondendo-se em um Igreja
 
Após estes eventos, Henri e seu irmão mais novo, Lucien, foram enviados para uma pequena aldeia na França chamada Foulletourte. Eles tiveram que esconder sua identidade judaica para evitar serem levados pelos alemães para campos de extermínio. O padre da comunidade transformou o meu pai em um garoto do coro da Igreja para aumentar a sua identidade como não-judeu, mas evitava dar o pão sagrado para ele em honra da sua verdadeira religião. Meu pai contava que ele queria provar o pão para ser como todos os outros. Em uma visita à aldeia depois da guerra, ele descobriu que o padre era um membro da Resistência Francesa (um movimento francês que lutou contra a ocupação nazista) que foi capturado e assassinado pelos alemães.
 
Uma criança no campo de concentração de Drancy
 
Mais tarde, a identidade judaica do meu pai foi descoberta e ele teve que usar o retalho amarelo (טְלַאי צָהֹב) em forma de estrela que era obrigatório de acordo com o regime Vichyna França para identificar os judeus.
 
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Um dia, a policia alemã chegou e levou o meu pai, seu irmão, e outras crianças judias para um campo de trânsito, não muito longe de Paris – em Drancy. Somente mais tarde eles descobriram que a informante foi a mulher francesa que estava cuidando das crianças. Ironicamente, o filho dela era um dos melhores amigos do meu pai.
 
Drancy foi um campo usado para concentrar judeus (יְהוּדִים) antes de serem deportados para campos de extermínio (מַחֲנוֹת הַשְׁמָדָה) . As condições no campo eram inumanas – meu pai tinha fome e frio o tempo todo, mas compartilhava a pouca comida que tinha com seu irmãozinho.
 
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Uma das mulheres do campo sugeriu que meu pai perguntasse ao comandante da SS no campo, Alois Brunner, para transferir ele e seu irmão para um orfanato, já que sua mãe havia morrido e seu pai era um prisioneiro de guerra. 
 
O veredito do oficial Brunner da SS
 
Alois Bruner era conhecido como o “favorito” de Adolf Eichmann e foi acusado de enviar mais de 140 mil Judeus Europeus para câmaras de gás. Ele dedicava uma hora da sua semana para falar com seus prisioneiros. Ao passar de algumas semanas, finalmente meu pai de 10 anos pôde falar com Brunner. 
 
Ele lembra que entrou em uma sala enorme. A sala tinha o tamanho de um piso inteiro. Um piso abaixo, sessenta prisioneiros vivam no mesmo espaço. O comandante estava sentado na outra ponta da sala, e a distância entre a porta e o comandante parecia sem-fim para o meu pai. Com muita coragem ele se aproximou da autoridade e explicou a situação com a ajuda de um interprete Francês-Alemão. Brunner murmurou algo em alemão em resposta, e o meu pai não entendeu nada. 
 
Orfanato Guy Patin
 
Para a sua surpresa, alguns dias depois, ele foi enviado com seu irmão e algumas outras crianças para o orfanato Guy Patin. Os nazistas tinham acesso livre ao orfanato e de tempos em tempos vinham em busca de crianças mais velhas para enviar aos campos de concentração. Meu pai se lembra de ter que se esconder entre uma parede e um armário quando os nazistas vinham em busca de vítimas para enviar para Auschwitz. Entre 65.000-80.000 Judeus foram deportados de Drancy, deles: mais de 63.000 foram assassinados, incluindo 6.000 crianças. Meu pai e seu irmão tiveram muita sorte. 
 
Escapando para a Zona Desocupada
 
Mas sorte não era o suficiente. Meu pai sabia que o orfanato Guy Patin não era seguro, mas não podia fazer nada a respeito. Um dia, um conhecido da família disse que ajudaria meu pai e seu irmão escapar para a zona desocupada. Ele teve que esconder este segredo dos seus amigos e do seu irmãozinho falador de 5 anos. Finalmente, eles escaparam até uma estação de metro e encontraram com o seu salvador. Agora, era importante livrar-se da estrela amarela, mas depois de tirá-la do casado, a marca da estrela no pano limpo ainda ficava aparente e podia revelar a sua identidade judaica. Ele foi até o banheiro e ensujou bem o casaco até que não fosse mais visível a estrela. Depois de longa viagem, eles chegaram até Marseille, que era uma zona desocupada da França.
 
Esta história é apenas parte da história de sobrevivência do meu pai. Ele nunca se considerou uma vítima. Quando eu era criança, nem sabia que era filha de um sobrevivente do holocausto – não porque ele nunca falou sobre isso, mas porque ele nunca se considerou uma vítima – ele estava muito ocupado construindo sua vida e o futuro da sua família. 
 
Agora, que a sua geração está desaparecendo aos poucos, deixando menos pessoas para contar suas histórias, é a nossa vez de lembrar, honrar e contar suas histórias para o mundo. Todos os anos, nos dias 27 ou 28 de Nisan (8 de Abril em 2013), nós observamos em Israel o Dia da Lembrança ao Holocausto e ao Heroísmo (יוֹם הַזִּכָּרוֹן לַשּׁוֹאָה וְלַגְּבוּרָה) em lembrança aos seis milhões de Judeus que foram assassinados no Holocausto pela brutalidade do regime nazista alemão e seus aliados, e em lembrança a resistência Judaica durante aquele período trágico da história de toda a humanidade.
 
להתראות,
Lehitra’ot,
Até logo,
 
שירה כהן-רגב
 
Professora de Hebraico na eTeacherHebrew
 
 
Palavras em Hebraico
 
 
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שׁוֹאָה
Transliteração: sho’a
Tradução: holocausto
 
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הִשָּׂרְדוּת
Transliteração: hisardut
Tradução: sobrevivência
 
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יְתוֹמִים
Transliteração: yetomim
Tradução: orfãos
 
 
 
Música em Hebraico
 
Meu menino não é mais uma criança
Letra: Yosi Gamzu
Música: Haim Barkani
יַלְדִּי אֵינֶנּוּ יֶלֶד עוֹד
מִלִּים: יוֹסִי גָּמְזוּ
לַחַן: חַיִּים בַּרְקָנִי 
Meu menino não é mais uma criança
Seus olhos ainda estão mergulhados em celeste
Mas há fogo na sua mirada
Ele voltou tão diferente
Silencioso, mas com tantas memórias
Palavras curtas, como batalha e mina
Yaldi eynenu yeled od
Eynav tovlot bitxelet od
Ax kvar cemabatav ha’esh
Hu shave lay axer kol kax
Shotek aval zoxer kol kax
Milim ktsarot kmo krav uxmomokesh
יַלְדִּי אֵינֶנּוּ יֶלֶד עוֹד 
עֵינָיו טוֹבְלוֹת בִּתְכֵלֶת עוֹד 
אַךְ כְּבָר בְּמַבָּטָיו הָאֵשׁ 
הוּא שָׁב אֵלַי אַחֵר כָּל כָּךְ 
שׁוֹתֵק אֲבָל זוֹכֵר כָּל כָּךְ 
מִלִּים קְצָרוֹת כְּמוֹ קְרָבוּכְמוֹ מוֹקֵשׁ
Você pode escutar a canção interpretada por Chava Alberstein aqui
 
 
Nomes em Hebraico
 
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עַמִּירָם
Nome: Amiram
Gênero: Masculino
Significado: Minha nação é sublime, meu povo é supremo.
 
 
 
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דָּלִיָּה 
Nome: Daliya (Dalia, Dalya) 
Gênero: Feminino
Significado: Um galho longo que cresce ou fica suspenso em cercas.
                      O nome Daliya também lembra o nome da flor Dahlia.
 
 

PARA UM SOBREVIVENTE DO HOLOCAUSTO, A SIEMENS POSSUIA A CHAVE QUE PODERIA DESVENDAR O SEU PASSADO

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A gravely ill Gilbert Michlin, the Auschwitz tattoo showing on his arm, is comforted by his wife, Mireille, August 2012. (Photo by Toby Axelrod)

Toby Axelrod

Eu tinha vinte e três anos quando encontrei meu primo Gilbert Michlin pela primeira vez numa cervejaria próxima ao seu escritório em Paris. Ele usava um terno escuro, com um lenço no bolso do paletó, e seu cabelo escuro e curto estava bem penteado.
Falando inglês com um sotaque encantador, ele disse: “Existe uma coisa que eu preciso te contar, eu estive em Auschwitz”.
É claro que eu já sabia, mas eu nunca tinha encontrado um sobrevivente antes, quanto mais o meu primo francês que tinha sido um trabalhador escravo da Siemens num campo de concentração.
Após a guerra, Gilbert foi estudar nos Estados Unidos e, eventualmente, ele voltou a Paris para se tornar o diretor europeu dos produtos de telecomunicação da IBM. Naquele dia, no final dos anos 1970, Gilbert, então com cinquenta e três anos, nada mais tinha a dizer sobre o Holocausto. Em vez disso, o que ele me contou foi a maneira milagrosa como conheceu sua esposa francesa, Mireille, na América.
“Uma garota de Marselha e um rapaz de Paris jamais se encontrariam na França. Alguém deveria escrever uma novela sobre isso”, disse ele sorrindo.
Alguns anos depois tornamos a nos encontrar. Mas foi somente em 2006, quando eu morava em Berlim, que eu realmente vim a conhecer Gilbert.
Berlim tinha sido uma das últimas estações em seu caminho para a liberdade. Agora, ele e mais três sobreviventes tinham sido convidados para partilhar suas recordações com o público e encontrar representantes da empresa alemã que os tinha “recrutado” em Auschwitz em fevereiro de 1944.
Nessa ocasião, Gilbert já tinha oitenta anos e tinha publicado suas memórias, “Of No Interest to the Nation” ( Sem Interesse para a Nação ) em francês e inglês. Ele queria não apenas contar o que lembrava, mas também contribuir com fatos sobre o destino dos seus pais nas câmaras de gás de Auschwitz.
A luta contra a negação do Holocausto era a coisa mais importante para ele. Sua nova heroína no momento era a historiadora norte-americana Deborah Lipstadt, que ousou enfrentar David Irving, um negador do Holocausto, e vencer o processo judicial que ele moveu contra ela.
Nas suas memórias, Gilbert lembrou a cumplicidade francesa na deportação dos judeus. Ele evocou com carinho o ardente desejo do seu pai de emigrar para a América e a sua rejeição em Ellis Island em 1923, o seu próprio sonho de infância de tornar-se um ator, o choque com a ocupação nazista e a sua prisão pela polícia francesa, junto com sua mãe, às duas horas da madrugada de três de fevereiro de 1944, dois dias antes de completar dezoito anos.
Uma semana mais tarde, Gilbert viu sua mãe pela última vez quando ela era levada de caminhão para fora de Auschwitz.
Foi naquele campo da morte que o representante da Siemens recrutou Gilbert e mais cerca de cem outros homens para uma unidade de trabalho. A insistência do pai para que Gilbert aprendesse um ofício mecânico salvou a sua vida: ele foi selecionado para a fabricação de armamentos. A Siemens manteve seus prisioneiros juntos na fábrica de Bobrek, mesmo após a evacuação que os SS realizaram com a marcha da morte para fora de Auschwitz em janeiro de 1945. Juntos, eles foram transferidos de Buchenwald para Berlim. Poucos meses mais tarde a guerra terminou.
Sessenta e um anos mais tarde Gilbert estava de volta em Berlim. Ao visitar o Memorial do Holocausto, ainda inacabado, ele disse que aquela cerca em cadeia intransponível era muito mais evocativa do que toda a construção de Paul Eisenman.
Eu fui até os escritórios da Siemens com os sobreviventes de Bobrek. Cada um contou a sua história. Então, meu primo levantou e insistiu para que a empresa finalmente abrisse seus arquivos para os historiadores para que estes pudessem obter algumas respostas: por que estes trabalhadores escravos foram mantidos juntos? Por que eles foram salvos?
Os representantes da Siemens ficaram paralisados, eles não tinham respostas. O arquivo permaneceu fechado.
Nos anos seguintes eu fiz algumas pesquisas para Gilbert, encontrando documentos originais sobre sua família em outros arquivos do pós-guerra. Mas era sempre o arquivo da Siemens que o assombrava. Durante muitos anos ele manteve diálogos e correspondência com representantes da empresa, mas nunca conseguiu entrar em seus arquivos.
Todos os anos, no aniversário dele, Gilbert e Mireille convidavam vários amigos – sobreviventes e suas esposas, e eu – para almoçar num hotel em Paris. Com champanhe, nós brindávamos à vida. Muitas vezes, Gilbert me conduziu pelas ruas de Paris mostrando os apartamentos onde ele tinha vivido com seus pais, os parques onde costumava brincar quando criança, o hotel onde foi alojado quando voltou a Paris em 1945, emaciado e solitário.
Eu nunca consegui entender como Gilbert tinha conseguido voltar a morar em Paris depois de tudo que aconteceu. Mas, de qualquer modo, ele tinha alcançado um equilíbrio, aproveitando sua cidadania americana obtida após a guerra, confraternizando com outros sobreviventes, procurando descobrir o que tinha acontecido aos seus pais, escrevendo seu livro e falando aos jovens franceses sobre a vida dele.
No entanto, ele jamais esqueceu os arquivos da Siemens.
Em 2010 o historiador da Siemens que possuía a chave dos arquivos da empresa morreu em um estranho acidente, quando os freios da reprodução de um carro histórico da Siemens falharam. Depois disso, a empresa deu alguns passos no sentido de melhorar o acesso aos arquivos.
Em 2010, em Munique, ao visitar a empresa, eu pude ver as salas subterrâneas onde milhares de pastas estavam empilhadas em estantes de metal. E, para minha alegria, eu recebi um convite para passar alguns dias examinando o material sobre Brobek, recentemente catalogado.
Gilbert, no entanto, jamais teve a chance de vê-los. Em julho do ano passado ele me telefonou para dizer que o melanoma que havia enfrentado há alguns anos tinha voltado:
“Estou sofrendo um ataque, esta é realmente a minha última etapa”.
Ao mesmo tempo em que eu recebia esta notícia, eu soube que a tradução para o alemão das memórias de Gilbert seria publicada em breve, ele queria alcançar a juventude alemã, a quem nunca culpou pelo passado. O layout estava pronto, a capa quase acabada.
“Em quanto tempo poderemos lançar o livro?”, perguntei ao editor.
“Estamos correndo”, respondeu ele.
Naquele mês de agosto eu cheguei ao Hospital Americano de Paris com a foto da capa do livro no meu computador. Gilbert estava na cama, com uma agulha, por onde lhe injetavam soro, presa ao braço.
Alguns dias antes sua esposa tinha contratado uma enfermeira que, ao ver a tatuagem de Auschwitz no braço dele, aproveitou a ocasião para falar mal dos pacientes judeus que já tivera. Mireille precisou conter-se, ela temia não conseguir uma substituta em agosto.
Gilbert tinha dito certa vez que não tinha medo da morte, pois já a tinha visto de perto muitas vezes. Ele morreu dois dias depois que eu voltei para casa. Suas memórias foram publicadas na Alemanha poucas semanas depois, no último outono.
Há poucos dias, eu recebi um telefonema do Memorial do Holocausto de Berlim.
“Eu acabei de ler o livro do seu primo. Nós gostaríamos de usar alguns trechos dele no nosso site educacional para estudantes alemães”, disse Constanze Jaizer, uma pesquisadora do Memorial.
Eu ainda não consegui visitar os arquivos da Siemens, é muito difícil para mim, agora que Gilbert se foi. Mas a morte dele não significa que o questionamento dele tenha morrido também.
Talvez os arquivos contenham apenas listas com nomes. Ou talvez contenham respostas. Gilbert jamais saberá. Eu, talvez sim.

Tradução: Adelina Naiditch

 

Fonte: http://www.naamat.org.br

Arte: Groucho Marx

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por Marcio Pitliuk

 

 

Não faltam grandes humoristas judeus: Efraim Kishon, Sholem Aleichem, Woody Allen, Jerry Lewis e tantos outros. Mas Groucho Marx é, provavelmente, o melhor de todos. O sucesso que o humor judaico americano faz no mundo deve-se a ele.

 

Woody Allen diz que nunca existiu um humorista como Groucho. Mel Brooks só tem e logios para ele. Jerry Seinfeld o acha um gênio. Quem assistir seus filmes, todos lançados em DVD, assim como seu talk show “You bet your life” ou ler seus livros – os principais são “Groucho and Me”, “Groucho letters”, “Memories of a Mangy Lover”– ou ainda um dos mais de 200 livros sobre sua vida, concordará com os três grandes humoristas acima. Groucho foi o melhor de todos. Melhor que Efraim Kishon, S. J. Perelman, Sholem Aleichem ou qualquer outro.

Sobre seu talk show, “You bet your life”, vale lembrar que ele foi o primeiro a fazer esse tipo de programa de entrevistas, que inspiraria David Letterman e Jô Soares, apenas para citar dois entrevistadores famosos.

Outra invenção de Groucho Marx foi a famosa “Escolinha”, onde um grupo de alunos serviam de “escada”, ou seja, davam a “deixa” para suas maravilhosas piadas. A “Escolinha” do Groucho começou no “Vaudeville” e inspirou no Brasil diversos humoristas, entre eles Chico Anysio, Ronald Golias e Carlos Alberto de Nóbrega.

“Vaudeville” eram teatros de variedades que surgiram no final do século 19 nos Estados Unidos e Canadá. Artistas e humoristas se apresentavam, com shows de música e comédia. A mãe de Groucho, Minnie, tinha um irmão, Al Schoenberg, com o nome artístico de Al Shean, que trabalhava nesse ramo. Devido às dificuldades financeiras da família, Minnie achou que a saída para os filhos ganharem dinheiro era o mundo dos espetáculos. E como boa “iídiche mame”, tinha razão.

Mas vamos voltar um pouco no tempo para contar a história de Groucho. Seus pais, Sam e Minnie Marx, emigraram da região da Alsácia-Lorena para Nova Iorque no final do século 19. Julius Henri Marx, o nome verdadeiro de Groucho, nasceu em 1890 na Rua 78, em cima de um açougue. Mas passou pouco tempo nessa casa, pois, segundo ele, viviam mudando de endereço por causa da falta de habilidades de seu pai, que se julgava alfaiate. “Tirar medidas é para funerária, que tem que providenciar o caixão”, dizia Sam Marx. Um bom alfaiate sabe as medidas só de olhar para o cliente”. O resultado, segundo Groucho, é que “os fregueses podiam ser identificados na rua, pois tinham um braço do paletó mais curto que o outro e uma perna da calça mais comprida”. Com isso, a família tinha sempre que mudar de endereço, na esperança de conseguir novos e incautos clientes, até que descobrissem a inabilidade de seu pai na arte da alfaiataria.

Antes de Groucho nasceu Leonard, apelidado de Chico; depois de Groucho veio Adolpho, conhecido como Harpo; Milton, vulgo Gummo e, finalmente, Herbert, cujo apelido era Zeppo.

Com cinco filhos para criar, a vida da família Marx era extremamente difícil. Segundo Groucho, “Éramos tão pobres que um dia o caminhão do lixo chegou em casa e falei – Papai, o lixeiro está aí. – Fala para ele que não precisamos de nada, respondeu meu pai”.

Foi graças à obstinação da mamãe Minnie que os Irmãos Marx, como ficaram conhecidos, entraram no show business. Chico e Harpo não gostavam de ir à escola e isso a preocupava, pois sabia que sem estudos os filhos não teriam grandes oportunidades na vida. Groucho, ao contrário, adorava estudar, era excelente aluno e ficou muito triste quando teve que sair da escola para acompanhar seus irmãos no “Vaudeville”. Durante a vida toda ele se arrependeu de não ter estudado e concluído o curso. Autodidata, procurou aprender o máximo possível, tornando-se uma pessoa culta e bem informada. Lia tudo o que caía em suas mãos e os livros que escreveu são excelentes.

Minnie percebeu que Chico e Harpo tinham talentos musicais e enquanto Chico aprendia piano, Harpo pegou uma harpa abandonada por um familiar na casa deles e se tornou exímio harpista (daí seu apelido Harpo). Com os irmãos tocando tão bem, e auxiliados pelo tio Al Shean, foram ganhar a vida no “Vaudeville”. Groucho não tinha nenhuma habilidade musical e os acompanhava para contar piadas e fazer graça. Isso muito antes de estrearem no cinema. Os outros dois irmãos eram muito pequenos para a vida nos palcos.

Mais tarde, Milton, vulgo Gummo, por insistência de Minnie, também tentou a carreira artística, mas não tinha o menor talento. Chegou a participar de alguns filmes, mas acabou tornando-se o empresário dos Irmãos Marx, como ficaram conhecidos os três, Groucho, Harpo e Chico.

A vida no “Vaudeville” não era fácil. Os irmãos tinham que viajar de cidade em cidade para fazer apresentações e ganhar alguns trocados. O pior, segundo eles, era que a mamãe Minnie ia junto. Precisava tomar conta “das crianças”. Até o dia em que, segundo Groucho, por insistência das coristas e dançarinas que não viam com bons olhos a presença da “iídiche mame” junto do grupo, eles decidiram que já eram crescidos e queriam viajar sozinhos. Graças a seu talento, começaram a fazer sucesso no “Vaudeville” e no show business e foram convidados para fazer um teste de cinema, em Hollywood. Isso só foi possível depois que surgiu o cinema falado, pois se apresentavam tocando e contando piadas.

Nos primeiros filmes repetiam nas telas o que faziam nos palcos, mas, com o tempo, foram desenvolvendo histórias próprias para o cinema, com roteiristas e diretores do primeiro time de Hollywood. 

O sucesso veio quando Irving Thalberg, o garoto prodígio da MGM, também judeu, começou a produzir seus filmes. Certa ocasião, Thalberg disse que “o mundo não estaria nesse estado se Marx tivesse sido Groucho, em vez de Karl (Marx)”. Ele foi um dos maiores produtores de cinema de todos os tempos, apesar de ter morrido prematuramente aos 37 anos.

Foi o principal responsável pelo sucesso dos Irmãos Marx. Escolhia grandes diretores, como Sam Wood e Norman McLeod, excelentes roteiristas como George Kaufman, Arthur Sheekman e Morrie Ryskind, e dava total liberdade para Groucho criar durante as filmagens. O que parecia improviso na verdade era um trabalho árduo de Groucho que tinha um humor sarcástico e extremamente judaico.

Usava muito da autocomiseração e suas piadas eram sempre muito inteligentes. O tipo de humor que os americanos chamam de wit. Além da equipe de roteiristas, cada irmão tinha um grupo de três ou quatro gag men– humoristas com a única função de criar sacadas e tiradas para acrescentar no filme. Com uma equipe 100% judaica, o tipo de humor só poderia mesmo ser judaico.

Harpo fazia o papel de mudo e toda a sua comicidade era baseada no visual. Foi o primeiro grande mímico do show biz, verdadeiro clown, muito antes do surgimento do famoso mímico francês Marcel Marceau, também judeu! O humor visual de Harpo permitiu que, anos mais tarde, ele fizesse uma turnê na Europa chegando a se apresentar até na Rússia comunista, com o maior sucesso.

Chico fazia o papel de italiano, jogador compulsivo e malandro – o que não era diferente da sua vida real. Era viciado no jogo, chegava a fugir entre uma gravação e outra para ir à casa de apostas. Apostava nos cavalos, nas cartas, nas corridas, perdia tudo o que ganhava e terminou sendo sustentado pelos irmãos.

Groucho fazia o papel do conquistador e tinha um humor completamentenonsense. Seu personagem tinha o andar de um vigarista gozador, imitando uma galinha, que se tornou sua marca registrada. Em inglês, quando se fala de um wise-cracking hustler, imediatamente sabe-se que se trata do velho Groucho… Também pintava as sobrancelhas e um bigode bem grosso, que ele adotou mais tarde deixando o verdadeiro crescer. Tinha sempre um charuto na mão ou na boca. Esse foi seu grande prazer na vida real. Jamais se separava desse vício.

Os irmãos Marx reinaram durante anos em Hollywood, deixando 13 filmes que são verdadeiras obras-primas. Groucho sozinho participou de outros 13 filmes, até que quase aos 60 anos achou que era hora de parar. Não tinha mais idade para o esforço físico requerido pelo personagem e pelo cinema, e estreou um programa de rádio que durou alguns anos. Finalmente foi atraído pela televisão, onde apresentava o “You bet your life”, um misto de programa de auditório de perguntas, respostas e entrevistas. Groucho aprendeu com sua mãe que “Quando tiver algo importante para falar, fale com o presidente”, e por isso durante sua vida escreveu cartas engraçadíssimas, até que um dia as publicou no livro “Groucho letters”.

Dessas, duas trocas de correspondências ficariam famosas. Uma delas aconteceu quando os Irmãos Marx, que trabalhavam na MGM, lançaram o filme “Uma noite em Casablanca”, logo em seguida ao lançamento do grande clássico “Casablanca”, da Warner Brothers, dirigido por Michael Curtiz, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Os advogados da Warner Brothers enviaram-lhe uma carta dizendo que o nome do filme era plágio e que deveria ser trocado. Primeiro Groucho respondeu que seria muito difícil alguém confundi-lo com a belíssima atriz sueca Ingrid Bergman. Os advogados da Warner Brothers, porém, não se deram por satisfeitos e a troca de correspondências continuou, sem que os advogados, o estúdio Warner e os irmãos Warner percebessem que Groucho estava apenas afiando seu humor cáustico. Até que, por fim, Groucho mandou uma carta dizendo que se eles achavam que tinham direitos sobre o nome “Casablanca”, eles, Julius, Leonard e Adolpho eram Marx Brothers muito antes do que Jack, Sam, Albert e Harry fossem Warners Brothers e iriam processá-los por plágio. Ou porque finalmente entenderam que tudo era uma brincadeira, ou por medo de um processo, a Warner decidiu encerrar o caso.

Outra troca de correspondência ajudou Groucho a criar uma das suas frases mais brilhantes e uma das mais famosas, de todos os tempos: “Não entro num clube que me aceita como sócio”. A história da origem desta frase é engraçadíssima.

Quando ele já fazia sucesso e era rico, sua filha Melinda quis frequentar o Beverly Hills Club, um clube elitista que não permitia a entrada de judeus e recusou aceitar a família Julius Marx. Ele então começou uma troca de correspondência com a diretoria, que não percebeu que ele estava usando todo seu humor cáustico e judaico para desmoralizar a recusa em ser aceito no clube. Uma das cartas dizia que o Beverly Hills Club não precisava se preocupar com o judaísmo da família Marx, pois “como minha filha é meio-judia, pois é filha de casamento misto, ela promete entrar na piscina só da cintura para baixo”. Depois de várias cartas de ambos os lados, percebendo que essa troca de correspondência seria prejudicial ao clube, pois Groucho as tornava públicas, decidiram aceitá-lo como sócio para encerrar o assunto. Então ele mandou a última carta que dizia exatamente isto “Por favor, aceitem minha renúncia. Não posso frequentar um clube que me aceita como sócio”. Assim surgiu uma das frases mais famosas e inteligentes da história.

Groucho era um frasista de mão cheia. Ao receber o livro de um autor pedante e prepotente, que se considerava humorista, comentou: “Desde o momento em que peguei seu livro, ri compulsivamente. Um dia pretendo lê-lo”.

Apesar de trabalhar na televisão, tinha um senso bastante crítico em relação a isso: “Acho a televisão muito educativa. Cada vez que a ligo, vou para o outro quarto e pego um livro”. Também tem uma frase excelente para pessoas antipáticas: “Eu nunca esqueço um rosto. Mas no seu caso, ficarei feliz em abrir uma exceção”. Seu humor sarcástico está presente neste texto: “Ela tem esse rosto por causa do pai. Ele é cirurgião plástico”.

O casamento também fazia parte do seu humor. Quando um amigo falou “Gostaria de me despedir de sua mulher”. Groucho respondeu, rápido: “Eu também”. Outra: “Casamento é a principal causa dos divórcios”. Mais uma: “Em Hollywood, a noiva guarda o buquê e joga fora o noivo”.

Para mim, um dos maiores exemplos da inteligência e do humor de Groucho é o seguinte diálogo: “Duas senhoras estão num restaurante e uma delas comenta: – A comida deste lugar é horrível! – E o pior é que as porções são pequenas – responde a outra. Assim é a vida. A gente acha ruim, mas reclama que é curta”.

Envelheceu sem perder o bom humor e a inteligência. Conforme o tempo passava, ele também começou a brincar com a velhice e disse: “Ter muita idade não é nada de especial, qualquer um pode envelhecer. Basta para isso viver o suficiente”.

Groucho trabalhou duro a vida toda, com medo dos tempos pobres da infância. Ficou rico para os padrões da época e também brincava com isso. Num jantar, recusou o pãozinho que o garçom oferecia, pois “era rico o bastante para não precisar comer mais pão”. Groucho viveu muito, mas não o suficiente para os seus fãs. Conta numa de suas autobiografias que, aos 80 anos, ouviu emocionado de uma fã, na rua, “Por favor, não morra nunca!”. Morreu aos 87 anos, apesar de fumar charutos desde jovem. Casou três vezes, a última com uma mulher que tinha 43 anos menos que ele, sendo que esse casamento durou apenas quinze anos e, segundo ele, do qual sobrou apenas uma frase: “A mulher ideal devia ser parecida com Marilyn Monroe (uma das mais lindas atrizes de Hollywood) e falar como George S. Kaufman (genial escritor, roteirista e humorista)”. Teve três filhos, Arthur, Miriam e Melinda, nenhum deles com talento para seguir a carreira do pai.

Groucho é, provavelmente, o responsável pelo tão conhecido humor judaico-americano, que tanto sucesso faz em todo o mundo. Ele trouxe o humor inteligente, cáustico e de autocomiseração dos sthtels para a América e Hollywood. Woody Allen, Mel Brooks, Jerry Seinfeld, Jerry Lewis, Adam Sandler, Jack Benny, Milton Berle, Sid Caesar, Goldie Hawn, Bette Midler, Billy Cristal e todos os humoristas judeus americanos devem a Groucho Marx a abertura das portas para o humor da iídiche kopf.

Marcio “Pit” Pitliuk é escritor, cineasta, publicitário, 
autor do livro e do filme “Marcha da Vida”.

 

Fonte: http://www.morasha.com.br/ – Edição 74 – dezembro de 2011

Charlotte Salomon : A obra de uma vida

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Charlotte Salomon, jovem judia alemã refugiada na Riviera francesa, passou ano de 1941, o último de sua curta vida, pintando freneticamente um registro visual de sua existência. Aqueles trabalhos ficariam como um testemunho de seu tempo para as gerações futuras.

 

Enquanto a guerra devastava a Europa e os nazistas assassinavam milhões de judeus, Charlotte mergulhou dentro de si mesma para criar uma narrativa penetrante e “totalmente inusitada”. Tratava-se de um tipo de opereta, umaSingspiel1, para contar como ficção a verdadeira história de sua família, desde a 1ª Guerra Mundial até 1941, quando, “sentada à beira-mar, perscrutava as profundezas da alma humana”. Ela transformou pessoas reais – a si mesma e a todos aqueles que fizeram parte de sua vida – em personagens com nomes fictícios que aludiam a alguma de suas características pessoais. Sua própria persona é “Charlotte Kann”, seus pais são “Albert e Franziska Kann” e seus avós maternos, Ludwig e Marianne Grunwald, “Grosspa” e“Grossma”, são os “Knarres”, os resmungões. Reproduziu tragédias e eventos familiares – reais e imaginários, misturando-os com acontecimentos históricos. Os suicídios que marcaram sua família e o nazismo são temas recorrentes. O resultado foi uma obra “totalmente inusitada”, pois nunca antes nem depois dela artista algum produziu nada parecido. O título que deu à sua criação é tão pouco comum quanto a própria obra, “Leben? Oder Theater? Ein Singspiel” – “VidaOu Teatro? Um Drama Musical”.

A vida de Charlotte irrompe em imagens e música à margem do mar na Riviera Francesa. Ela levava seu caderno de desenho para o ar livre e cantarolava enquanto trabalhava, e assim pintou mais de mil guaches. Cada imagem retratava um momento da vida de sua família ou da sua própria.  Para melhor contar sua história, adicionou a cada imagem algum diálogo, colocando as palavras e as ações dos personagens num papel de cópia transparente, que grudava na margem esquerda do guache. Com tais sobreposições, pode-se ver a ação daquela cena e assim imaginar que se estivesse assistindo, digamos, uma peça ou uma opereta. A dramaticidade de imagem é acentuada ainda mais por alguma sugestões musicais, de Schubert, Mozart e Mahler até marchas nazistas, que ela incluiu junto com os diálogos. E, à medida que a narrativa de Leben? Oder Theater? se desenrola, as cores vivas das cenas iniciais dão lugar a tons mais sombrios, e os diálogos leves e sarcásticos se transformam em sérios e desesperados, até que Charlotte passa a pintar os diálogos na própria imagem. Os últimos guaches são compostos apenas por palavras, pois ela precisava terminar de contar sua história, e pressentia que o tempo urgia. Tinha que fazê-lo com a maior rapidez possível. No final, escolheu 760 guaches e os organizou em atos e cenas, e introduziu um narrador. A  história de “Charlotte Kann” e sua família vai ser contada pela voz dele. A artista fala de si própria na primeira pessoa, em um texto de apenas 12 páginas, um post scriptum que, na verdade, não pretendia incluir na obra.

Pouco antes de ser deportada, adivinhando que ela traria conhecimento vital sobre a época, entregou Leben? Oder Theater? a um amigo a quem pediu que escondesse sua obra, mantendo-a a salvo porque era “toda a sua vida”. Ela jamais poderia imaginar quão longe “sua vida” chegaria, após a guerra…

A vida na Alemanha

Charlotte nasceu em 16 de abril de 1917, em Berlim. Era a única filha de Albert e Fränze Salomon. Seus pais se conheceram em 1915, durante a 1ª Guerra Mundial, quando a mãe trabalhava como enfermeira e o pai como cirurgião. Apaixonada pelo taciturno e reservado Albert Salomon, Fränze casa-se com ele, apesar da desaprovação da família.

Os primeiros anos de vida da pequena Lotte, como Charlotte era chamada, foram felizes. Em Leben? Oder Theater? ela reproduz sua infância em cores alegres. Mas tudo mudaria quando ela tinha apenas oito anos. Sua mãe, “Franziska”, retrai-se em seu mundo. Não consegue fazer outra coisa a não ser olhar pela janela. No ano seguinte, o pai diz à pequena Lotte que a mãe morrera de influenza. Na verdade, como Charlotte descobre 13 anos mais tarde, Fränze havia-se jogado de uma janela. A avó materna, “Grossmama”, insistira em esconder a verdade da criança e do mundo. A janela, símbolo do triste destino de sua família, é um elemento com forte presença em seu trabalho.

Para Lotte, perder a mãe foi perder um dos filamentos que a ligava ao mundo. Ela cresce solitária, introvertida e profundamente observadora da Berlim do período entre guerras. Via seu pai, cirurgião de renome, trabalhar e estudar sem parar para conseguir o título de Professor e ingressar no corpo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Berlim. Não lhe sobrava tempo para a filha. O que a pequena mais desejava era alguém que cuidasse dela. Quatro anos após a morte da esposa, o Dr. Salomon desposa a famosa cantora de ópera, Paula Lindberg-Levi. Lotte se apegou imediatamente à nova mãe. Mulher vibrante, de voz poderosa e cheia de energia, Paula, a “Paulinka” de “VidaOu Teatro?”vai exercer grande influência sobre Charlotte.

Lotte sentia-se feliz quando ficava sozinha com seus pensamentos e podia absorver o mundo à sua volta. Um mundo que para os judeus da Alemanha estava-se desintegrando. O nazismo vai obrigar Lotte, assim como centenas de milhares de judeus alemães, a assumir seu judaísmo. Até seu pai se casar com Paula, as ligações de Charlotte com suas raízes judaicas eram mínimas. A família de sua mãe era típica da burguesia judia, abastada e totalmente assimilada; e a do pai, que se definia como um alemão de fé mosaica, mantinha apenas algumas tradições. Sua nova mãe vai introduzir o judaísmo no lar dos Salomon: sexta-feira à noite as velas de Shabat eram acesas, aos sábados e nas festas Paula e Charlotte iam à sinagoga, e a jovem chegou a celebrar seu bat-mizvá.

A suástica irrompe repentinamente na vida de Charlotte, como em“VidaOu Teatro?”. A jovem artista registra em sua obra o dia 1º de janeiro de 1933, dia em que Hitler se torna chanceler da Alemanha. Ela retrata uma massa, sem rostos, de nazistas, miniaturas de Hitlers, dando destaque especial à suástica. Em sua obra, os alemães são retratados como uma única unidade por trás do nazismo. 
Com a chegada de Hitler ao poder, a vida dos judeus muda radicalmente. Novas leis passam a restringi-los, proibindo seu acesso às universidades e a determinadas profissões. No mesmo ano, seu pai é demitido do Hospital Geral e da Universidade de Berlim, e ele se vê restrito ao trabalho no hospital judaico. Apesar de sua fama, Paula Salomon é proibida de se apresentar em público e os críticos passam a se referir a ela comoJudenschwein2. Lotte vai reproduzir em sua obra o dia em que “Paulinka” é expulsa do palco pelo público, aos gritos de “Raus”, “Raus”, “Fora”, “Fora”!

Kurt Singer, o “Dr. Singsang” de “VidaOu Teatro?”, grande amigo de Paula, que até 1933 dirigia a Ópera de Berlim, entende que algo precisava ser feito. Consegue convencer a Gestapo a permitir a criação de umaKulturbund, uma associação cultural judaica. Graças à existência dessa associação, músicos e artistas judeus puderam continuar a se apresentar para um público exclusivamente judaico. Sob a liderança de Singer, em 1938, eram apresentados ao redor do país mais de 50 espetáculos por semana. O papel oficial da Kulturbund era ajudar artistas a sobreviver, mas clandestinamente seus dirigentes os ajudavam a deixar o país, conseguindo documentos falsos e vistos, principalmente para a então Palestina.

Paula era muito ativa na Kulturbund, tanto se apresentando como atuando na clandestinidade. E a residência dos Salomon se torna um importante ponto de encontro de artistas e músicos. Graças à Kulturbund, Charlotte teve acesso à única arte e música que um judeu poderia almejar então na Alemanha, aprendendo a ver a arte como uma fonte de valores morais e de autoexpressão.

Naquele mesmo ano de 1933, Charlotte deixa o Ginásio Furstin Bismarck, apesar de faltar apenas um ano para se formar. Não foi expulsa, mas simplesmente decidiu sair por não suportar mais qualquer menção nazista. Seu sonho era entrar numa escola de arte, mas sua família não julgava que ela tivesse talento. Adiou qualquer decisão e foi para Roma a convite de seus avós maternos, que já haviam deixado a Alemanha. Nos quadros que pinta sobre Roma usa cores vivas: vermelhos e azuis intensos. Quando tem que deixar “os azuis de Roma” para voltar “aos cinzas nórdicos”, Lotte estava decidida a se tornar uma artista.

Recusa-se a entrar numa escola de design de moda, como lhe fora sugerido por Paula, apenas porque a mesma aceitava judeus – sentia-se diminuída pela ideia. Decide, então, tentar a Academia de Belas Artes de Berlim. Sabia que não seria fácil, pois a nova legislação alemã limitava a apenas 1,5% o número de alunos não arianos que poderiam cursar instituições acadêmicas. Por sorte, na Academia, a “cota de judeus“ não fora ainda preenchida e havia lugar para um. Em“VidaOu Teatro?” Charlotte, quando a comissão de admissão lhe perguntou se ela era realmente judia, responde: “É claro que é isto o que eu sou!”.

Lotte não passou na primeira prova de admissão, pois competira com um jovem nazista. Mas não desiste. Convence o pai a lhe pagar aulas particulares de desenho e consegue passar na segunda prova. Assim, em 1936, Charlotte é admitida na Academia de Arte. O que ela não sabia é que o comitê de admissão decidira admiti-la não apenas por causa de seu bom desempenho nas provas, mas principalmente por sua postura modesta e reservada. A tímida Charlotte não era “uma ameaça para os alunos arianos”.

Na Academia, ela recebeu educação artística clássica. O modernismo e o expressionismo estavam banidos na Alemanha, pois Hitler os considerava uma arte decadente de forte influência judaica e bolchevique. Embora na biblioteca da Academia pudessem ser encontrados livros sobre movimentos artísticos de vanguarda, os professores tachados de modernistas haviam sido despedidos. Todos os gêneros que foram ensinados a Lotte visavam gravar para sempre a marca do anti-modernismo. O espantoso ao se olhar o seu trabalho é que ela se auto-ensinou novas formas de pintar, pois sua principal obra refuta todas as lições acadêmicas que recebera.

Nessa mesma época, ela teve um romance secreto com Alfred Wolfsohn, um músico judeu, grande admirador de Paula, que tinha quase o dobro de sua idade. Paula passara a ajudá-lo, arranjando-lhe trabalho e documentos. Wolfsohn foi o primeiro a perceber a grande sensibilidade e o talento artístico de Charlotte, tendo-lhe dito que acreditava que ela criaria “algo diferente, especial”. É ele que a incentiva a ir em busca de seu eu interior, de sua alma. Não há dúvida que, mesmo se Charlotte não o tivesse conhecido, ela se teria tornado artista plástica, mas provavelmente não teria criado uma obra como Leben? Oder Theater?

A busca obsessiva por seu eu e seu amor por Wolfsohn a absorviam totalmente enquanto o mundo ruía em sua volta. Dia após dia os judeus da Alemanha viam os nazistas lhes arrebatar o seu sustento, os seus direitos e a sua segurança. No início de 1938, os Salomon ainda viviam e trabalhavam na Berlim nazista e Lotte ainda frequentava a Academia de Belas Artes. Mas, no verão alemão de 1938, sua matrícula é cancelada.

A data de 9 de novembro 1938 vai mudar a vida da família Salomon, assim como a história do judaísmo alemão. Naquela Noite dos Cristais (Kristallnacht), hordas enfurecidas atacaram a população judaica em várias cidades da Alemanha e Áustria, ferindo, matando e destruindo suas propriedades.

Diante dos acontecimentos, a família Salomon decide deixar o país, mas, antes disso, os nazistas prendem, deportam e torturam Albert, assim como outros 30 mil judeus. Paula usa toda sua influência para libertá-lo do campo de concentração de Sachsenhausen, para onde havia sido deportado. Ela obtém documentos falsos que lhe permitem deixar o campo, mas não para tomar um trem. Albert, então, volta a pé para Berlim, aonde chega fisicamente arrasado. Apesar dos protestos da filha, Paula e Albert decidem mandar Lotte para o sul da França, para Villefranche-sur-Mer, uma cidadezinha perto de Nice onde então viviam seus avós maternos. Em janeiro de 1939 Charlotte e outros 78 mil judeus deixam a Alemanha. Em março, Paula e Albert conseguem fugir de Berlim. Embarcam num avião com documentos falsos e, sem levar nada consigo, chegam a Amsterdã, onde já estava Kurt Singer, que os acolhe.

O refúgio na França

Ao chegar a Villefranche-sur-Mer, Charlotte vai para L’Ermitage, onde viviam seus avós. Era uma “mansão com lindo jardim” que pertencia a Ottilie Moore, uma americana de origem alemã, excêntrica e rica. Ottilie havia feito de sua casa um refúgio para órfãos e exilados judeus. Nos primeiros tempos na França, Lotte se sentiu, como sua persona revela em “VidaOu Teatro?” “renovada e esvaziada das lembranças de tanto sofrimento”. Estava totalmente absorvida pela paisagem na Riviera francesa. O que ela queria era ficar sozinha e desenhar.

Seu relacionamento com seus avós não era fácil. “Grossma” reclamava que ela vivia desenhando. A cada dia que passava longe da Alemanha e de seu lar, a avó se sentia mais inútil e mais diferente, uma estrangeira. Ela sente “seu autocontrole se despedaçando perante uma força acima de suas forças”. Em setembro de 1939, vendo a Alemanha nazista avançar sobre a Europa, a avó tenta se suicidar, enforcando-se. Num angustiante cena de “VidaOu Teatro?” Charlotte a encontra quase sem vida. Para alegrar a avó, a jovem decide, então, criar algo artístico sobre o passado da família. Resolve escrever um “pequeno conto através de desenhos das histórias de minha avó para lhe presentear em suas bodas de ouro”. Nesse livro de história ilustrado, a artista liga, pela primeira vez, imagens e palavras. Era a sua primeira tentativa na direção de Leben? Oder Theater?.

Pouco tempo após a tentativa de suicídio da esposa, amargurado, “Grosspa” revela à Charlotte o terrível segredo da família, guardado há 13 anos. Ele diz à jovem, em “VidaOu Teatro?”: “Em sua família, todas as pessoas, sem exceção, cometem suicídio”. Lotte descobre que a mãe, a irmã e uma sobrinha de sua avó tinham-se suicidado, assim como sua tia Charlotte. Mas, para Lotte, o maior choque é a revelação de que “Franziska”, sua mãe, também se suicidara. Agora ela conhecia o terrível segredo de sua família! Na opereta que criou, sua persona tenta salvar a avó e lhe diz que “ao invés de tirar sua vida, ela podia usar a mesma energia para contá-la”. Esta ideia vai dar novo ímpeto às duas mulheres: “Grossma” passa “a contar à neta a história de sua vida e Charlotte começa a se autoconhecer”.

Nada, no entanto, consegue impedir a avó de se matar. Em março de 1940,Grossma se atira de uma janela, exatamente como o fizera sua filha “Franziska”. Essa nova tragédia teria um forte impacto na jovem, que passa a se ver como herdeira do terrível legado. “Ó D’us”, Charlotte exclama numa das cenas mais tocantes de sua obra, “não me deixe enlouquecer!”. Em carta a Albert e Paula, na época vivendo em Amsterdã, ela escreve; “Vou criar uma história para não enlouquecer”.

O campo de Gurs

Em maio de 1940, a Alemanha ataca a Holanda, a Bélgica e a França. As autoridades francesas decidem internar todos os cidadãos alemães que estavam no país . Lotte e seu avô são enviados para o campo de Gurs, na região dos Pirineus. Era um local terrível, o único que ela não consegue reproduzir em sua obra. 
 
Em junho, a França capitula diante do exército alemão, assinando um armistício com a Alemanha de Hitler. O país é, então, dividido – o norte e a costa do Atlântico ficam sob ocupação nazista, enquanto o sul e o sudeste passam a ter um governo leal à Alemanha, o Regime de Vichy. Milhares de judeus refugiam-se em Vichy, mas esse seria apenas um abrigo temporário.

Lotte e seu avô são libertados de Gurs em julho de 1940 e voltam para Villefranche. Para se sustentar, Charlotte pintava cartões e quadros para Ottilie Moore. A vida ao lado do avô, no entanto, continuava a ser extremamente difícil. Em 1941, Charlotte toma a decisão de deixá-lo por algum tempo e se muda para uma pousada em St. Cap Ferrat, onde começa a criar sua grande história. No ano anterior já havia começado a pintar temas mais pessoais – retratos da avó, o trem que os levara a Gurs e uma dúzia de autorretratos. Tudo isso se perdeu, menos um autorretrato que assinou como CS 1940, que revela um rosto sem país. Ela era apenas uma artista judia que ninguém queria.

O que a fez pegar no pincel e começar a dar àquele rosto um passado? Em sua obra, ela revela que esse momento foi quando se defrontou com o dilema “matar-se, como outras mulheres de sua família, ou fazer algo completamente inusitado”. Charlotte escreveu no pós-escrito de sua obra: “Eu estava desesperadamente infeliz no verão de 1941. (…) Comecei a trabalhar nos desenhos que tinha em mãos. (…) Tinha que mergulhar ainda mais fundo na minha solidão e, assim, talvez encontrasse – o que tinha para encontrar! A mim mesma: um nome para mim mesmo…”.

Naquelas horas angustiantes, quando “a Guerra devastava tudo, eu, sentada à beira-mar, perscrutava as profundezas da alma humana”. Ela via que “o mundo cada vez se desintegrava mais e seu espírito ia-se desmoronando no mesmo ritmo”. No entanto, apesar da dor e morte que pairavam em sua volta, ela descobriu que não precisava acabar com sua vida, como haviam feito todas as mulheres de sua família, pois a pessoa podia e devia levantar-se das profundezas do desespero e amar a vida com garra ainda maior. Ela queria fazer algo que a pudesse fazer “viver por todos eles”. “E assim”, ela revela, “iniciei o trabalho de “Vida? Ou Teatro?” Usando todos os artifícios do drama, a artista criou algo único na história da arte e da autobiografias. O tema central que vai permear toda a sua obra é a constatação de que a ameaça da autodestruição leva à autodescoberta e o segredo à busca da verdade.

Não se sabe com precisão quando Lotte iniciou a pintar as primeiras guaches de Leben? Oder Theater?, mas sabe-se que trabalhou freneticamente, sem parar, durante um ano, do verão de 1941 até o do ano seguinte. Em 1942, quando da detenção dos judeus em Nice, ela mesmo quase foi presa, e isso a levou a finalizar com urgência o seu projeto. Charlotte tinha 25 anos quando pintou a última cena: um retrato dela mesma sentada numa praia da costa mediterrânea francesa, olhando para o mar. Na mão um pincel; em suas costas a pergunta Leben? Oder Theater?, VidaOu Teatro?.
 
Os últimos meses

No ano de 1942, a Riviera francesa foi ocupada pela Itália. Apesar de aliados de Hitler, os italianos não pretendiam deportar os judeus, o que lhes permitia, de certa forma, viver dentro de certa normalidade. Assim, embora o antissemitismo fosse forte na região, a zona italiana da França era uma espécie de área protegida.

No final daquele ano, após ter terminado sua obra, Charlotte retorna a Villefranche à casa onde ainda vivia seu avô. Ottilie deixara a França e não tinha notícias de seu pai nem de Paula desde a ocupação da Holanda pelos alemães. Sentindo-se sozinha, começou um relacionamento com outro judeu refugiado que fora acolhido por Ottilie, Alexander Nagler. Após a morte do avô, em fevereiro de 1943, Charlotte passa a viver no L’Ermitage com Nagler. Ao ficar grávida, eles decidem se casar na prefeitura de Nice, onde registraram seus verdadeiros nomes e endereços, reconhecendo o seu judaísmo. Ao desdenhar a clandestinidade, estavam selando seu destino.

Em setembro de 1943, a área é ocupada pelos alemães. Para os nazistas, tornara-se uma questão de honra pôr um fim na vida judaica na Riviera. Adolf Eichmann envia para lá o capitão SS Alois Brunner. Sua missão era muito clara: identificar e deportar os 1.800 judeus que ainda viviam na região. Simultaneamente à ação de Eichmann, Angelo Donati, um banqueiro judeu italiano e Père Marie-Benoit, um monge capuchinho, tentam organizar o resgate desses judeus. Pedem que estes permaneçam nos arredores de Nice, aguardando o momento de partir. Mas Brunner é mais rápido e, em 24 de setembro, prendeu centenas de judeus, entre eles, Charlotte e Alexander. Os dois são despachados de trem ao campo de Drancy e, em seguida, para Auschiwtz. Charlotte, grávida de cinco meses, não sobreviveu à primeira seleção. Nagler viveu até 1944.

Antes da sua prisão, perante a intensificação da escalada nazista, Lotte tinha uma única preocupação: salvar seu trabalho se não fosse possível salvar sua vida. Assim, entregou as mais de mil pinturas a um amigo muito próximo, Dr. Moridis, o médico que cuidara de sua avó e servira de testemunha em seu casamento, pedindo-lhe: “Guarde isto em segurança, toda a minha vida está aqui”. Quando a guerra terminou, ele as entregou a Ottilie Moore. Posteriormente, seu pai e Paula, tendo sobrevivido à guerra, foram até Villefranche para reivindicar o que Charlotte pintara nos anos que lá viveu. Ottilie, no entanto, só lhes entregou o pacote que continha os guaches de “VidaOu Teatro?”.

Em 1960 foi realizada a primeira grande exposição de Charlotte Salomon, por iniciativa do curador do Museu Histórico Judaico de Amsterdã, que se apaixonou por sua arte. Desde então, foram realizadas mostras ao redor do mundo. Apesar do sucesso de cada exposição, a obra de Charlotte Salomon ainda é relativamente desconhecida do grande público. Desde então, seu acervo pertence à Fundação Charlotte Salomon, que faz parte do Museu Histórico Judaico de Amsterdã. A vida de Charlotte Salomon foi, também, tema de filmes e peças de teatro, entre as quais uma das mais famosas foi “Company of Angels”, encenada pelo grupo britânico Horse and Bamboo Theatre. A Jornada de Lotte – “Lotte’s Journey”, de autoria de Cândida Cave, foi apresentada no New End Theatre Hampstead, em 2007.

Bibliografia:
Felstiner Mary Lowenthal, To paint her life: Charlotte Salomon in the Nazi era, University of California Press, 1997
Steinberg,Michael P. e Bohm-Duchen, Monica, Reading Charlotte Salomon, Cornell University Press, 2006

 

Fonte: http://www.morasha.com.br/ – Edição 75 – abril de 2012

Yolande, uma heroína esquecida

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Mulher bela e determinada, Yolande Gabai de Botton atuou como agente da Inteligência israelense no Egito na década de 1940 e no início dos anos de 1950. Sua atuação foi fundamental nos meses que precederam e seguiram a criação do Estado de Israel.

 

A vida de Yolande foi glamorosa e cheia de perigos. Loira, de traços finos, culta e elegante, ela transitava com desenvoltura nos círculos mais restritos da alta sociedade do Cairo e no meio diplomático do país. Agia como uma jovem que amava se divertir, rir, beber e dançar, sem muitas outras preocupações. No entanto, sob esta máscara, escondia-se uma mulher inteligente, decidida e destemida, disposta a utilizar o grande fascínio que exercia sobre homens de todas as idades para obter informações vitais para a causa sionista e o Estado de Israel.

Apesar de Yolande ter atuado com alguns dos homens que viriam a ocupar posições lendárias nos anais da Inteligência sionista, até pouco tempo atrás, sua história não era muito conhecida. Ian Black e Benny Morris lhe dedicam um curto capítulo em seu livro Israel’s Secret War. Mas, foi graças ao documentário intitulado Yolande: an Unsung Heroine,produzido por sua netaMiel de Botton Aynsley, que sua trajetória e bravura foram reveladas. O documentário, dirigido pelo israelense Dan Wolman, narra a história de Yolande através de depoimentos de seu filho, Gilbert de Botton1, e de entrevistas com pessoas que a conheceram. Entre os entrevistados estão Teddy Kollek, a esposa de Reuven Shiloah e a filha de Moshe Sharret.

O documentário foi exibido, em 2011, em Washington (EUA), no The Spy Museum e no Festival de Cinema Judaico na mesma cidade, no Festival de Cinema do Museu Judaico no Lincoln Center, em Nova York, e no Festival de Cinema Judaico em Boston.

Sua vida

Yolande Gabai nasceu em Alexandria, no Egito, em 1913. Como tantos outros judeus egípcios, recebeu uma educação francesa. Seus pais a enviaram à França para estudar noLycée des Jeunnes Filles, em Saint Germaine, onde absorveu a cultura e a história francesa. Assim que completou o Lycée, a jovem se viu obrigada a voltar para o Egito, pois seus pais não consideravam necessário que ela continuasse os estudos. Queriam que ela se casasse logo, o que de fato aconteceu. Aos 17 anos casou-se com Jaques de Botton, em Alexandria. Gilbert, único filho do casal – e de Yolande – nasceu em fevereiro de 1935. Quatro anos mais tarde, Yolande e Jaques se separam.

No verão de 1942, a vida de Yolande dá uma reviravolta. Com o avanço do exército alemão de Rommel sobre Alexandria, ela decide, como tantos outros judeus, deixar o Egito. Com o filho, parte para Jerusalém. Lá conhece Enzo Sereni e passa a abraçar de corpo e alma a causa sionista e a necessidade da criação de um Estado judeu na então Palestina. Através de Sereni, Yolande acaba conhecendo outros líderes sionistas que vão desempenhar um importante papel em sua vida. Entre eles, Moshe Sharett, então secretário do Departamento Político da Agência Judaica; Teddy Kollek, na época vice-diretor da Inteligência da Agência Judaica; Eliahu Sasson, judeu nascido em Damasco e especialista em assuntos árabes, que estava à frente do Departamento Político da Agência Judaica. Conheceu, também, Reuven Shiloah, que dominava o árabe e era um especialista em assuntos do Oriente Médio. Íntimo amigo de Ben Gurion, ele estava engajado em questões políticas e de defesa e era o encarregado das missões secretas. Em 1949, Shiloah é nomeado por Ben Gurion como o primeiro diretor do Mossad.

Aqueles eram tempos decisivos para o futuro do Estado Judeu. Os líderes do Yishuv, como era chamada a comunidade judaica que vivia em Eretz Israel antes da criação do Estado, sabiam ser imprescindível montar uma rede de Inteligência nos países árabes, onde o nacionalismo crescia par a par com o antissemitismo e o antissionismo. Sabiam serem inevitáveis os confrontos entre as populações árabe e judaica – apenas uma questão de tempo. Tornara-se, portanto, essencial obter informações, saber contra quem iriam lutar. No entanto, na época, o orçamento destinado à Inteligência ainda era irrisório e sua rede de agentes, precária.

De volta ao Egito, Yolande retoma sua vida de “socialite”. Para todos os efeitos, era uma jornalista que colaborava com jornais estrangeiros enviando matérias sobre personalidades egípcias. Dirigia, também, um escritório que era a sede da JTA (Jewish Telegraphic Agency) no Egito, de onde enviava informações “oficiais” sobre a situação no país. Volta a circular na alta sociedade do Cairo enviando informações sobre o que via e ouvia. Como afirmou Teddy Kollek em depoimento para o documentário, mesmo o repasse de informações sobre o dia-a-dia da elite era bastante arriscado e, se fosse descoberta, Yolande sofreria sérias consequências. 

Durante uma visita de Moshe Sharett ao Egito, Yolande foi recrutada por ele e Eliahu Sasson para atuar como agente operacional no recém criado Departamento Político para Países Árabes, da Agência Judaica. Eles queriam manter o Egito sob constante vigilância. O rei egípcio Faruk e o monarca da Arábia Saudita haviam fundado, no Cairo, a Liga Árabe. Outros países árabes – o Emirado da Transjordânia, o Iêmen, o Iraque, o Líbano e a Síria – haviam entrado como membros da Liga. Os sionistas queriam monitorar as ações da Liga e sua posição antissionista. Um dos primeiros atos do Conselho da Liga foi exigir que, nos países-membros, fossem boicotados todos os judeus que tivessem negócios na então Palestina.

Rapidamente, Yolande se tornou a mais importante agente no Egito, realmente um elemento indispensável. No livro Israel’s Secret Wars ela é descrita como “provavelmente a melhor espiã de Israel em 1948”. O próprio Ben Gurion, ao visitar o país, encontrava-se com ela. Era ela quem ia buscá-lo no aeroporto. E, membros da Haganá , da Agência Judaica e de outras organizações a procuravam quando iam ao Egito. Em certa ocasião conseguiu, segundo depoimento no documentário de Levy Abraham, chefe da Haganá no Egito, encontrar um esconderijo seguro para as armas que estavam sendo secretamente compradas para serem enviadas à então Palestina.

Sua habilidade e seu charme a ajudaram a infiltrar-se ainda mais a fundo nos altos escalões da sociedade egípcia. Um dos entrevistados conta que, em certa ocasião, almoçava com Yolande em um hotel do Cairo quando o rei Faruk entrou no local e ocupou uma mesa com outros membros da corte. Decidida a conseguir um contato, ela se levantou e, com desenvoltura e rindo alto, foi até a mesa do rei Faruk: “O senhor pode mandar me prender, se assim o desejar, mas esta foi a única maneira que encontrei de falar com Sua Alteza”. A seguir, explicou ao rei que trabalhava como correspondente para jornais estrangeiros e, há tempos, buscava uma oportunidade de conversar com ele. “Inúmeras vezes tentei contatá-lo, mas não consegui. Eu preciso enviar um artigo sobre Sua Alteza para um jornal internacional, mas se não conseguirmos conversar, o que poderei escrever?”. Encantado, o Rei se levantou e lhe estendeu a mão, prometendo recebê-la.

Em Israel’s Secret War, os autores revelam que informações sobre a atuação de Yolande no Egito chegaram até nós graças a um relatório, de maio de 1948, que Moshe Sharett recebeu de Eli Peleg, um emissário clandestino que foi àquele país para fazer contatos com o movimento juvenil sionista.

Esse relatório Peleg confirma que Yolande mantinha estreitos vínculos com editores do jornal egípcio de maior circulação, o Al-Ahram, assim como com vários membros da cúpula dirigente do país e do corpo diplomático. Ele também relata que entre os inúmeros homens fascinados pelo charme dela incluía-se Taked-Din as-Sulh, braço direito de Abdul Rahman Azzam Pacha, Secretário Geral da Liga Árabe entre 1945 e 1952 e futuro Primeiro Ministro do Líbano. No documentário, vários depoimentos, inclusive o de seu filho Gilbert, atestam que Taked-Din as-Sulh, apaixonado por Yolande, procurava estar sempre ao seu lado e a levava consigo a jantares e reuniões com líderes árabes.

O filho do Grão Mufti do Cairo, Mahmoud Mahlouf, também fazia parte da longa lista de admiradores de Yolande, assim como o embaixador sueco no Egito, Karateka Bagge. Ainda segundo o relatório Peleg, o Embaixador, apaixonado por Yolande, mudara sua posição em relação à causa sionista: “Há vários meses, ele era indiferente à nossa causa, mas hoje é um sionista entusiasmado e algumas das informações sobre o exército egípcio nos foram dadas por ele”. Peleg informou, ainda, que Yolande poderia ter desenvolvido contatos semelhantes com outros diplomatas, principalmente os norte-americanos e os franceses.

O relatório de Peleg ainda traz inúmeras informações sobre a situação no Egito, enfatizando que os recursos da Inteligência sionista no país eram quase inexistentes e que a atuação de Yolande era fundamental. Ele acreditava que se poderia conseguir mais informantes profissionais por somas modestas. No entanto, tudo isso esbarrava na falta de recursos e de instruções claras. A transmissão das informações também representava um sério problema. Yolande possuía um radiotransmissor, mas não havia ninguém para operá-lo, por isso, em várias ocasiões, as informações chegavam defasadas.

Yolande conseguiu repassar ao Yishuv importantes informações estratégicas. Entre outros, obteve textos das resoluções aprovadas pela Liga Árabe em dezembro de 1947 e fevereiro de 1948. As minutas das reuniões eram retiradas do cofre da Liga e imediatamente traduzidas para o inglês ou francês. Em seguida recolocadas imediatamente no cofre. Levy Abraham, chefe da Haganá no Egito, conta no documentário que, em várias ocasiões, teve acesso às resoluções antes mesmo do Secretário da Liga.

Foi também ela quem repassou a informação de que Jamal Husseini, o Mufti de Jerusalém, persuadira o Conselho da Liga Árabe a preparar a resistência armada contra os judeus do Ishuv, e que chegara, inclusive, a prometer fundos e a garantia de liberdade de movimento. E, através de seus contatos, ela descobriu que, pela primeira vez, os chefes militares dos países membros haviam participado de uma reunião do Conselho da Liga e que, após uma série de encontros, os governos membros concordaram em “sacrificar todos os interesses políticos e econômicos do mundo árabe para salvar a Palestina” e fazer o que “fosse necessário”. Após essa resolução, foram enviadas ordens para que as unidades sírias assumissem posições ao longo da fronteira da então Palestina.

Em janeiro de 1948, Yolande conseguiu obter os planos militares dos egípcios e dos outros países árabes. Seus informantes haviam exigido em troca 300 libras esterlinas, uma soma considerável para a época. Após o próprio Ben Gurion ter aprovado a transação e já de posse dos planos, Yolande os costurou nas ombreiras de seu casaco e tomou um avião paraEretz Israel. Ben Gurion enviou um carro blindado para buscá-la no aeroporto. Temerosos por sua segurança, Sharett, Shiloah e Sasson, assim como o próprio Ben Gurion, pediram que ela não voltasse ao Egito – mas ela se recusou. Respondeu que seu filho estava no Cairo e que ela não teria nenhuma utilidade ficando em Israel.

Um de seus maiores êxitos foi infiltrar-se na Embaixada dos Estados Unidos e copiar telegramas secretos enviados pelo Encarregado de Negócios, Jefferson Patterson, ao Departamento de Estado. Um desses despachos, que acabou nas mãos do Ministério das Relações Exteriores de Israel, em agosto de 1948, continha informações militares sobre o número de tunisinos e argelinos que se haviam juntado às forças árabes para lutar contra Israel.

Yolande acabou despertando as suspeitas das autoridades egípcias. A partir do final de 1947, com a Partilha da Palestina, o clima no Egito contra os judeus tornara-se bastante tenso. A polícia secreta egípcia passou a investigar as atividades de organizações sionistas no país, que até então ainda eram legais. Naquele fevereiro, Yolande conseguiu uma “lista negra” de ativistas elaborada pela policia secreta. Como comprovam as declarações de seus amigos no documentário, Yolande estava ansiosa e preocupada, principalmente depois que a polícia secreta começa a fazer indagações sobre ela aos ativistas sionistas. Mesmo assim, em maio de 1948, quando a maioria dos líderes sionistas já estavam presos, ela continuava em liberdade, circulando entre as elites – e mandando informações para Israel, como sempre fizera.

Seu filho revela no documentário que, na época, ele estava muito preocupado que a proteção de “seus amigos” árabes poderia vir a desmoronar perante a pressão de grupos mais radicais, principalmente por parte de membros da Irmandade Muçulmana que haviam começado a questionar publicamente o fato de que uma mulher que se sabia ser uma espiã israelense ainda circulava livremente. E Gilbert estava certo.

Em julho de 1948, Yolande foi presa. Por possuir nacionalidade espanhola, como tantos outros sefaradim do Egito, foi enviada para uma prisão especial, uma villa onde eram mantidas mulheres estrangeiras. As provas de sua atuação eram muitas. Sua agenda com os codinomes de seus contatos e amigos não a ajudou, tampouco suas anotações, do tipo “o profeta não estava agindo corretamente”, “o assistente estava preocupado com sua própria pele” e outras similares. Mesmo assim, o tratamento que lhe foi dispensado na prisão era prova de que seus amigos não a haviam esquecido. No documentário, duas judias egípcias que estiveram presas com ela relatam que Yolande recebia diariamente comida de um dos mais refinados restaurantes do Cairo, bem como jornais, que podia ler onde quisesse e podia usar o telefone quantas vezes e para onde quisesse. Contudo, ela acabou adoecendo na prisão.

Shiloah recebeu suas mensagens dizendo que estava muito mal. Ao ser informado, Eliahu Sasson logo entrou em ação, seguindo para Paris para tentar fazer um acordo para tirá-la da prisão, mediante a interferência de um oficial egípcio de alto escalão. Ela foi libertada um mês após ser presa.

Yolande deixou o Egito em setembro e foi para Paris com seu filho a pedido de Sasson, que assumira o cargo de diretor do Departamento do Oriente Médio no Ministério das Relações Exteriores de Israel. Ele abrira um escritório em Paris para coordenar contatos com os países árabes e queria que ela trabalhasse com ele. Como disse Sharett em várias ocasiões, “ninguém sabia fazer contatos como Yolande”.

O escritório de Paris contava com agentes que se tornaram verdadeiras lendas, como Touvia Arazi, um ex-oficial da Haganá, comprador de armas na Europa; Salim Bechor e Zlama Zeligson (ou Shmuel Divon). Esses dois últimos representavam a Divisão Política do Ministério das Relações Exteriores e sua função era estabelecer contatos nos países árabes, visando acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, propor negociações de paz, além de contatar grupos com o objetivo de desestabilizar o esforço árabe de guerra.

Assim que chegou a Paris, Yolande restabeleceu seus contatos com as lideranças árabes no Egito, mantendo correspondência com seus amigos e contatos no Cairo. Procurou fazer novas amizades com oficiais egípcios que estavam em Paris. Durante a 3ª Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em 1948 na capital francesa, ela fazia parte da delegação israelense. Os egípcios sabiam de sua lealdade a Israel, mas segundo seu filho Gilbert, queriam crer que ela tinha uma afeição sincera por eles. Assim, ainda era bem-vinda entre líderes e oficiais árabes, sendo comumente vista em sua companhia.

Yolande estava há poucos meses em Paris quando adoeceu gravemente, sendo hospitalizada. Os médicos temiam que ela pudesse falecer, mas conseguiu recuperar-se após se submeter a uma delicada operação. Após cinco meses internada no hospital, recebe alta e retorna, logo em seguida, ao Egito.

O Departamento Político da Agência Judaica estava por trás desse retorno. Era no mínimo bizarro que alguém que fora presa sob suspeita de espionagem e fora vista com a delegação israelense ainda pudesse voltar e viver como antes. Mas, ninguém – nem mesmo sua família nem seus amigos árabes, consideraram sua volta algo “impensável”. E ela retomou a vida do ponto em que a deixara. Gilbert retornou à escola e ela recomeçou suas “atividades”. Ainda recebida de braços abertos por seus amigos árabes e oficiais do governo, ela voltou a colher informações para o Mossad. 

Certa vez, um de seus agentes no Egito a viu num restaurante com o chefe da Inteligência no Cairo, Shusha Bey. Teve receio de ela ter sido descoberta, mas ela fez contato no restaurante conseguindo lhe dar seu telefone. O agente acabou se encontrando com Yolande, que lhe transmitiu importantes informações. Nos três anos em que ficou no Egito, Yolande entrou e saiu várias vezes do país, mas já sabia que sua vida no país terminaria em breve. A hostilidade contra os judeus aumentava a cada dia. Em 1951, deixou o país com seu filho e sua mãe, emigrando para Israel. Lá, mudou seu sobrenome para Har-Mor ou Harmer.

Vivia em Jerusalém, em um pequeno apartamento, e trabalhou na área de protocolo do Ministério das Relações Exteriores. Apesar de ter sido enviada várias vezes em missões especiais a Paris e a outras capitais europeias, sua saúde não permitia grandes esforços e ela sentia que de certa forma havia sido posta de lado e relegada a trabalhos sem grande importância. A verdade é que sua utilidade acabara ao sair do Egito e não se encaixava na Israel de 1948. Era por demais elegante e sofisticada para aqueles tempos pioneiros.

Yolande acabou adoecendo novamente. O câncer se havia espalhado e ela foi internada. Dessa vez os médicos não conseguiram salvá-la e ela faleceu em Jerusalém, em 1959.

Bibliografia: 
Black, Ian e Morris, Benny, Israel’s Secret Wars: A History of Israel’s Intelligence Services, Grove Press
Yolande: An Unsung Heroine, 2010, direção, Dan Wolman, produção Miel de Botton Aynsley. 2010

 

Fonte: http://www.morasha.com.br/ – Edição 79 – março de 2013